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1. Considerações de princípios, levando em conta a irrenunciabilidade da
intangibilidade da vida humana;
Índice
Artigos
Artigos sobre eutanásia e fim da vida
Eutanásia: Um enfoque ético-político
Além da análise histórica
da eutanásia, o autor revisa os conceitos para os dias atuais, principalmente a partir do
novo entendimento sobre o diagnóstico da morte e dos princípios morais que cercam o
direito de viver e o direito de morrer.
Resumo
1. Introdução
2. Fundamentos
3. Paciente
terminal
4. Critérios
atuais para um diagnóstico de morte
5. Aspectos
éticos
6. Conclusão
Referências
bibliográficas
RESUMO: Além da análise histórica
da eutanásia, o autor revisa os conceitos para os dias atuais, principalmente a partir do
novo entendimento sobre o diagnóstico da morte e dos princípios morais que cercam o
direito de viver e o direito de morrer. Esse enfoque pluridisciplinar sobre a questão da
eutanásia leva a um entendimento sobre o significado da dignidade humana, seja no sentido
de respeitar o direito de viver, seja na oportunidade de respeitar o direito de morrer com
dignidade, a partir do instante que a morte é justa.
UNITERMOS: Direito de morrer
com dignidade, morte sem sofrimento, benemortásia.
1. Introdução.
O ato de promover a morte antes
do que seria de esperar, por motivo de compaixão e diante de um sofrimento penoso e
insuportável, sempre foi motivo de reflexão por parte da sociedade. Agora, essa
discussão tornou-se ainda mais presente quando se discute os direitos individuais como
resultado de uma ampla mobilização do pensamento dos setores organizados da sociedade e
quando a cidadania exige mais direitos. Além disso, surgem cada vez mais tratamentos e
recursos capazes de prolongar por muito tempo a vida dos pacientes descerebrados, o que
pode levar a um demorado e penoso processo de morrer.
A medicina atual, na medida em
que avança na possibilidade de salvar mais vidas, cria inevitavelmente complexos dilemas
éticos que permitem maiores dificuldades para um conceito mais ajustado do fim da
existência humana. Além disso, "o aumento da eficácia e a segurança das novas
modalidades terapêuticas motivam também questionamentos quanto aos aspectos econômicos,
éticos e legais resultantes do emprego exagerado de tais medidas e das possíveis
indicações inadequadas de sua aplicação" NF1. O cenário da
morte e a situação de paciente terminal são as condições que ensejam maiores
conflitos neste contexto, levando em conta os princípios, às vezes antagônicos, da preservação
da vida e do alívio do sofrimento.
Desse modo, disfarçada,
enfraquecida e desumanizada pelos rigores da moderna tecnologia médica, a morte vai
mudando sua face ao longo do tempo. A cada dia que passa maior é a cobrança de que é
possível uma morte digna e as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino
de seus enfermos insalváveis e torturados pelo sofrimento físico, para os quais os meios
terapêuticos disponíveis não conseguem atenuar. O médico vai sendo influenciado a
seguir os passos dos moribundos e a agir com mais "sprit de finesse", orientado
por uma nova ética fundada em princípios sentimentais e preocupada em entender as
dificuldades do final da vida humana; uma ética necessária para suprir uma tecnologia
dispensável. Neste instante, é possível que a medicina venha rever seu ideário
e suas possibilidades, tendo a "humildade" de não tentar "vencer o
invencível".
Apesar do avanço da ciência,
se auscultarmos mais atentamente a realidade sociológica atual nas comunidades de nossa
convivência cultural, certamente vamos entender a complexidade e a profundeza do tema.
Casabona NF2, sobre isso, afirma que "tem de deixar-se assentado que
a realidade se apresenta com uma complexidade muito superior, que dificulta a
valorização da oportunidade da decisão a tomar. Afirmações como
‘incurável’, ‘proximidade de morte’, ‘perspectiva de cura’,
‘prolongamento da vida’, etc., são posições muito relativas e de uma
referência em muitas ocasiões, pouco confiáveis. Daí a delicadeza e a escrupulosidade
necessárias na hora de enfrentar-se com o caso concreto".
O "direito de matar"
ou o "direito de morrer" sempre teve em todas as épocas seus mais extremados
defensores. Na Índia de antigamente, os incuráveis eram jogados no Gangas, depois de se
lhes vedar a boca e as narinas com a lama sagrada. Os espartanos, conta Plutarco em Vidas
Paralelas, do alto do monte Taijeto, lançavam os recém-nascidos deformados e até
anciãos, pois "só viam em seus filhos futuros guerreiros que, para cumprirem tais
condições deveriam apresentar as máximas condições de robustez e força". Os
Brâmanes eliminavam os velhos enfermos e os recém-nascidos defeituosos por
considerá-los imprestáveis aos interesses do grupo NF3.
Em Atenas, o Senado tinha o
poder absolutos de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium
maculatum – bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média,
oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia,
que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos
césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos
evitarem a agonia e o ultraje.
Há até quem afirme que o
gesto dos guardas judeus de darem a Jesus uma esponja embebida em vinagre, antes de
constituir ato de zombaria e crueldade, teria sido uma maneira piedosa de amenizar seu
sofrimento, pois o que lhe ofereceram, segundo consta, fora simplesmente o vinho da
morte, numa atitude de extrema compaixão. Segundo Dioscorides, esta substância
"produzia um sono profundo e prolongado, durante o qual o crucificado não sentia nem
os mais cruentos castigos, e por fim caía em letargo passando à morte
insensivelmente" NF4.
Assim admitida na antiguidade,
a eutanásia só foi condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, em cujos
princípios a vida tinham o caráter sagrado. No entanto, foi a partir do sentimento que
cerca o direito moderno que a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção
irrecusável do mais valioso dos bens: a vida. Até mesmo nos instantes mais densos, como
nos conflitos internacionais, quando tudo parece perdido, face as condições mais
precárias e excepcionais, ainda assim o bem da vida é de tal magnitude que a
consciência humana procura protegê-la contra a insânia, criando regras para impedir a
prática de crueldades irreparáveis. Outras vezes, a ciência, de forma desesperada,
intima os cientistas do mundo inteiro a se debruçar sobre as mesas de seus laboratórios,
na procura dos meios salvadores da vida.
2. Fundamentos.
Temos o direito de antecipar ou
de permitir a antecipação da morte de um paciente, desde que autorizados, no sentido de
proporcionar-lhe uma "boa morte", quando o desenlace é fatal e inevitável?
Quais as vantagens disso para a sociedade, para os familiares e para o paciente?
Antes, é necessário que se
estabeleça a distinção que se vem fazendo ultimamente entre eutanásia, ortotanásia
e distanásia.
A primeira seria uma conduta para promover a morte mais cedo do que
se espera, por motivo de compaixão, ante um paciente incurável e em sofrimento
insuportável. A ortotanásia, como a suspensão de meios medicamentosos ou artificiais de
vida de um paciente em coma irreversível e considerado em "morte encefálica",
quando há grave comprometimento da coordenação da vida vegetativa e da vida de
relação. E finalmente distanásia como o tratamento insistente, desnecessário e
prolongado de um paciente terminal, que não apenas é insalvável, mas também
submetido a tratamento fútil.
Os que são contra a eutanásia
não admitem que se transforme in articulo mortis uma agonia, mesmo dolorosa, e se
outorgue o direito de antecipar uma morte, como forma generosa de suprimir a dor e o
sofrimento. Essas pessoas não admitem que se ofereça à profissão médica tão triste
sina – a de praticar ou facilitar a morte, em face de uma série de situações que
venham ser consideradas como constrangedoras ou nocivas aos interesses da própria
sociedade.
Muitos já imaginam ver o
médico na difícil situação de deixar o paciente sem entender se aqueles cuidados são
em benefício de sua saúde ou de outros interesses não confessados. Assim, dizem eles,
muitos pacientes, principalmente aqueles em estado grave, passariam a temer a presença do
médico, sonegando informações indispensáveis.
Contrário à licitude da
eutanásia, Mantovani NF5 ainda sugere três ordens de considerações:
2. Considerações de ordem prática, representadas pela incontenibilidade da
eutanásia piedosa, capaz de transformar casos isolados em fenômenos coletivos;
pela relatividade dos diagnósticos de incurabilidade e dos prognósticos de morte
iminente; pela possível superveniência dos novos tratamentos médico-cirúrgicos; pelo
extremo subjetivismo do limite da insuportabilidade da dor; pela extrema dificuldade de
acertar com a definitividade ou temporaneidade da vontade de morrer do paciente; em face
da dúvida sobre a validade da liberdade e do consentimento prestado; pela dificuldade de
distinguir entre o autêntico motivo altruístico da piedade e um suposto motivo
egoístico-oportunista.
3. Considerações de oportunidade, quanto à idoneidade moral e profissional do
médico, à desconfiança do aparelho médico-hospitalar, à fuga dos internamentos
hospitalares e às alterações de conseqüências complexas em torno de relações e
situações jurídicas e não-jurídicas que supõe a eutanásia como uma espécie de
antecipação da morte natural.
Os defensores da eutanásia
fundamentam sua validade nos seguintes argumentos: incurabilidade, sofrimento
insuportável e inutilidade.
A incurabilidade é um prognóstico, uma presunção, uma
conjectura. Por isso é ela duvidosa. Mesmo o diagnóstico, para o qual tantos são os
recursos da técnica e da ciência, não apresenta mesmo assim, um estágio de rigorosa
exatidão. Somem-se a isto as disponibilidades terapêuticas e diagnósticas de cada lugar
e a capacidade técnica e intelectual de cada médico. Dessa forma, a incurabilidade ainda
se coloca de forma duvidosa, pois há enfermidades que numa época eram incuráveis e logo
imediatamente não foram mais.
O sofrimento, por mais que ele
comova, não pode constituir um meio seguro ou num termômetro para medir-se a gravidade
de um mal, nem tampouco autoriza a decidir sobre questões de vida ou de morte: não pode
servir como recurso definitivo para aferir tão delicada questão. A verdade é que a
civilização de consumo começa a modificar a experiência da dor, esvaziando do
indivíduo suas reações pessoais e transformando essa dor num problema de ordem
técnica. Ivan Illich NF6 observa que "esse indivíduo não vê mais
na dor uma necessidade natural, mas que ela se apresenta, desde logo, como resultado de
uma tecnologia faltosa, de uma legislação injusta ou de uma carência de ordem social ou
econômica". A dor começa a perder seu sentido na linguagem comum e a se fortalecer
como termo técnico. Desde o momento em que ela se tornou coisa manipulável, passando a
ser matéria de superproteção, a sociedade aceitou tal procedimento e rendeu-se a ele,
numa forma de solução aparentemente fácil para resolver seus fracassos.
O argumento de alguém ser
inútil pelo fato de apresentar-se com uma doença incurável é inoportuno e desumano,
pois é inadmissível rotular assim quem viveu, amou e contribuiu, e que agora não
reunindo mais condições físicas ou psíquicas, venha merecer tal consideração.
Os que defendem a eutanásia o
fazem como um verdadeiro "direito de morrer com dignidade", ante uma situação
irremediável e penosa, e que tende a uma agonia prolongada e cruel. Desse modo, seria
concedida aos médicos a faculdade de propiciar uma morte sem sofrimento ao paciente
portador de um mal sem esperança e cuja agonia é longa e sofrida. O problema da morte
piedosa ou por compaixão ao enfermo incurável e dolorido, consciente de seu estado de
sua doença, que deseja abreviar seus sofrimentos, seria visto como um ato de humanidade e
justiça. Admitem até que o médico poderia chegar à eutanásia como um meio de cura,
pois curar para tal entendimento não é só sanar, é aliviar também. E que o médico
que administra uma dose letal de medicamento não pretende propriamente a morte do
paciente, mas o alívio dos seus sofrimentos. Admitem ainda que o homem goza, dentre seus
direitos, do privilégio de dispor de sua própria vida, quando, por sua livre e
espontânea vontade, desistir de viver. Com esse pensamento, chegam a aceitar que o
indivíduo pode dispor, em qualquer situação, de sua existência, muito mais quando
gravemente enfermo e em doloroso sofrimento. Não haveria um delito a punir-se, mas um
alívio na angustia e no sofrimento torturante.
A suspensão dos meios
artificiais de um paciente insalvável e em estado de vida vegetativa é a
situação que tem merecido maior compreensão da sociedade. Assim, diante de uma morte
inevitável, cercada de muito sofrimento e diagnosticada pelos critérios rigorosos da
"morte encefálica", nem se pode dizer que exista eutanásia, pois este
indivíduo já está morto pelo conceito atual que se tem de óbito. Não se pode
considerar tal ocorrência como uma forma de matar porque, neste tipo de suspensão dos
meios mecânicos de suporte da vida, diz Mackie NF7, o médico não deu
início ao curso dos eventos que levará o paciente à morte. Segre NF8
vai mais longe quando afirma: "vê-se que já não se trata de autorizar, ou de
proibir a prática da eutanásia, mas apenas de definir se o paciente está vivo ou
morto".
No que diz respeito à
distanásia, quando se critica o "tratamento fútil", não se está dizendo que
o paciente deva ser abandonado. Propõe-se neste estágio de morte declarada, quando
apenas existe a sustentação de uma vida vegetativa por meios artificiais, a não
obstinação terapêutica, onde o médico deve acompanhar o "paciente doente" e
não a "doença do paciente".
Assim, entendendo-se que a
distanásia não é outra coisa senão a "morte lenta, ansiosa e com muito
sofrimento", em cujo processo o tratamento tornou-se inútil, não há outro caminho
mais sensato que o da suspensão dos meios artificiais dispensáveis e supérfluos. Desta
forma, a morte ocorrerá "no seu tempo".
Nestas questões, existe uma
interminável polêmica: deve prevalecer a sacralidade ou a qualidade da vida? A primeira
representa aquilo que a vida humana tem na dimensão que exige a dignidade de cada homem e
de cada mulher. E a qualidade da vida representa um conjunto de habilidades físicas e
psíquicas que facultam o ser humano viver razoavelmente bem.
Rachels NF9
faz uma distinção entre "estar vivo" e "ter vida", ou seja, entre a
vida no sentido biológico e a vida no seu aspecto biográfico. Com isso ele
quer individualizar um tipo de seres humanos que, mesmo estando vivos, não tem vida. O
exemplo por ele apontado seria o de um portador da doença de Alzheimer. Para este autor,
estar vivo no sentido biológico tem pouca importância e, na ausência de uma vida
consciente, é indiferente para o indivíduo estar vivo ou não. Além do mais, defende
ele a chamada "tese da equivalência", segundo a qual não existiria nenhuma
diferença entre "matar uma pessoa" e "deixá-la morrer".
Em sua visão utilitarista ele
só considera imoral matar se isso vai privar o indivíduo dos seus desejos, de suas
crenças e dos anseios que constituem um projeto de vida, atributos esses que
justificariam continuar sua existência. A morte seria um mal não porque pôs fim ao
estar "vivo", mas ao fim da vida na sua perspectiva biográfica. Para ele, em
certos casos, "matar não implica a destruição de uma vida".
Tal posicionamento, não apenas
alcançaria as situações terminais da vida humana, mas avançaria a todos aqueles que
por uma outra razão estivessem privados da consciência. O mais surpreendente desta
posição é que a vida não é um valor no sentido moral, mas um bem apenas. Diante de
tal postura, independe a condição do paciente estar consciente e solicitar a ação
eutanásica, pois não restaria um valor humano para se proteger, mas apenas um estado
biológico de uma vida subnormal.
Esta posição, além de ser
moralmente inconsistente por considerar a vida como coisa possuída - na qualidade do
"ter" e não na do "ser", admite ainda um pensamento
conseqüencialista de que matar só é diferente do roubar pelo valor estimativo dos bens
perdidos.
Quando se defende a ética da
qualidade da vida, diante de situações bem concretas, em confronto com a posição
tradicional da sacralidade da vida, não se quer com isso desprezar os valores da natureza
humana nem "coisificar" a pessoa que existe em cada um de nós. A vida humana,
independente da sua qualidade e ainda que se venha tomar certas medidas, tem o mesmo valor
e o mesmo direito de ser preservada em sua dignidade. Todavia, se qualidade de vida
significa tão-somente a habilidade de alguém realizar certos objetivos na vida e quando
estas habilidades não mais existem, venha desaparecer a obrigação de tratar, aí então
esse conceito é pobre e mesquinho. Outra coisa: na conceituação de qualidade e
quantidade da vida vem se procurando determinar o que deve ser considerado ordinário ou
extraordinário.
Para alguns NF10,
sobre isto, o Vaticano colocou-se de forma muito subjetiva e simplista, em Declaração
sobre a Eutanásia, ao afirmar: "Não se pode impor a ninguém a obrigação de
recorrer a uma técnica que, embora já em uso, representa um risco ou é demasiado
onerosa. Recusá-la não equivale a um suicídio; significa, antes, a aceitação da
condição humana, ou preocupação de evitar adotar um procedimento médico
desproporcional aos resultados que se podem esperar, ou vontade de não impor despesas
demasiado pesadas à família ou à coletividade". E quando afirma que "tomar
decisões corresponderá em última análise à consciência do enfermo ou das pessoas
qualificadas para falar em seu nome ou inclusive dos médicos, à luz das obrigações
morais e dos distintos aspectos do caso", parece-nos demasiado permissivo para que em
certos momentos, até mesmo por questões econômicas, alguém venha decidir sobre a
licitude ética do que constitui morrer com dignidade.
Se o critério para o uso de um
medicamento é fundamental na possibilidade de oferecer resultado a um paciente salvável,
então isto é que vai determinar o que é ordinário ou não. A avaliação é sobre a
qualidade da vida e não sobre a qualidade do meio. O difícil, parecem-nos, é conceituar
o que é "qualidade de vida" e estabelecer os limites mais objetivos ante a
diversidade das situações apresentadas, e não conceituar o que seja "qualidade de
meios". O conceito de qualidade de vida torna-se complexo a partir do instante em que
se admite ser todo juízo baseado em considerações qualitativas até certo ponto
preconceituosas. E mais difícil ainda é classificar as pessoas baseadas em critérios de
tipos de vida, ou justificar uma ética da qualidade da vida que se fundamenta no
princípio simplista de que a um determinado paciente se ofereça todos os cuidados
disponíveis ou não se ofereça nenhum.
Entender também que a
qualidade da vida de uma pessoa não pode ser avaliada como uma capacidade plena para o
exercício de todas as habilidades. Não. O ser humano merece respeito a sua dignidade,
independente do que ele consegue realizar. Ninguém existe para disputar torneios ou
competições de habilidades, mas para realizar o próprio destino de criatura humana. A
qualidade e a sacralidade da vida são valores que podem estar aliados. É inaceitável
essa desvinculação absoluta que se faz entre sacralidade e qualidade da vida.
Poderíamos até dizer que o princípio da sacralidade é o primeiro princípio, pelo
menos do ponto de vista teórico, para se iniciar uma discussão sobre eutanásia. Por sua
vez, a qualidade da vida não é um valor estranho ou um valor alternativo de um
determinado conceito vida. É um critério de referência capaz de contribuir também com
o respeito que se deve à vida humana. McCormick NF11 deixa isso bem
claro quando afirma: "ambos enfoques não deveriam contrapor-se desta maneira. A
valorização sobre a qualidade da vida deve fazer-se com absoluta reverência, como uma
extensão do próprio respeito pela sacralidade da vida".
Deve ficar claro que o juízo
de valor sobre a proporcionalidade dos cuidados não é tão simples, pois ele não
termina na avaliação da qualidade da vida. Devem influenciar o raciocínio médico, as
razões da família e o que admite o paciente sobre a insistência das medidas
terapêuticas. O fundamento ético impositivo de uma necessária assistência a um
paciente terminal é a predisposição de melhores condições para que este doente
conviva com sua doença e eventualmente com sua morte. Um dos erros dos defensores mais
intransigentes da ética da qualidade da vida, como já dissemos, é admitir que ao
paciente se dêem todos os cuidados ou não se dê nenhum, agindo assim de maneira tão
caprichosa e simplista sobre questões quase sempre complexas e difíceis.
O pensamento utilitarista que
se inclina obstinadamente para o lado do valor biográfico do indivíduo - desprezando o
"estar vivo" sob o aspecto biológico, erra ainda quando procura resolver as
questões com a aplicação de um só critério, transformando os problemas morais em
meros problemas técnicos ou estatísticos, não deixando espaço para uma reflexão sobre
os valores que definem a dignidade humana nem reconhecendo a oportunidade de avaliar
outras considerações. O significado da racionalidade iluminista não é compatível com
uma ética biomédica que se ajusta no princípio da ponderação e do respeito à
dignidade de ser humano.
Outra teoria não bem definida
é a de Kuhsh NF12, baseada no princípio do duplo efeito, no
qual se indaga se é lícito utilizar uma conduta cujos resultados são traduzidos em
parte por benefícios e, de outra, por malefícios impossíveis de evitar. Caracteriza-se
esta teoria por quatro fundamentos: 1 – que o ato em si seja moralmente bom ou
indiferente; 2 - que o agente não busque diretamente o efeito mau senão que apenas
permita; 3 – que o efeito bom não seja produto diretamente da ação do efeito mau;
4 – que o bem obtido do efeito bom seja devidamente relacionado com mau permitido, de
forma que o compense.
O que a autora pretende na
defesa de tal princípio é demonstrar a possibilidade de justificar um ato que
"fique restrito a intencionalidade e não assuma todas as conseqüências
previsíveis de uma ação voluntária" ou que "a qualificação moral de um ato
depende sempre do que o agente pretendeu como fim". Tenta justificar que supressão
intencional e supressão não intencional da vida são diferentes do que se entende entre
"matar" e "deixar morrer". O fundamento da doutrina do duplo efeito
está pois na condição da proporcionalidade entre os bons e os maus resultados. No
entanto, essa condição não explica como estabelecer os limites entre os resultados
pretendidos e os meramente previstos. Nem muito menos esclarece se um ato está ou não
proibido e quais as condições da intencionalidade. Em suma, o critério da
proporcionalidade não tem como determinar se um agente pretendeu efetivamente o bem ou
previu um certo efeito mau, como afirma Reichlin NF13.
Entende-se por dignidade a
qualidade ou a condição de alguém ser respeitado, honrado e valorizado. Hobbes NF14 dizia que " o valor social de um homem, que é o valor
estabelecido sobre ele e sobre o bem comum, é o que os homens comumente chamam de
dignidade". Pelo visto, este não é o conceito que normalmente se tem quando se
justifica a eutanásia. Muitos admitem que a dignidade está muito vinculada à liberdade.
Isso também nem sempre se ajusta ao interesse comum, embora todos reconheçam que ser
livre é parte significativa da identidade pessoal e do exercício da cidadania.
Como tal se entende, permitir
que alguém continue vivendo uma vida apenas biológica, mantida por aparelhos, sem levar
em consideração o sofrimento do paciente e a inutilidade do tratamento, é agir contra a
dignidade humana. Se alguém defende tal permanência, apenas por considerar a
"santidade da vida", certamente tem nessa obstinação uma forma indisfarçável
de atentado à dignidade dessa pessoa. Por sua vez, antecipar a morte de alguém
consciente ou não, com as constantes vitais mantidas normalmente, ainda que tenha uma
morte prevista e um relativo sofrimento, é atentar contra a dignidade humana.
3. Paciente terminal.
Definir paciente terminal não
tem sido tarefa tão fácil como aparentemente pode dar a entender. Inclusive a expressão
terminal, no presente momento, é complexa e arriscada, porque um paciente portador
de uma enfermidade de evolução fatal e grave pode, em determinados instantes voltar às
suas atividades, como, por exemplo, os portadores de neoplasias mais severas que podem ter
uma sobrevida estimável – às vezes por tempo prolongado, graças ao avanço
vertiginoso das terapêuticas hoje empregadas. Seu conceito, portanto, é impreciso, até
porque a própria vida já é por si mesma terminal.
Considera-se paciente terminal
aquele que, na evolução de sua doença, não responde mais a nenhuma medida terapêutica
conhecida e aplicada, sem condições portanto de cura ou de prolongamento da
sobrevivência, necessitando apenas de cuidados que faculte o máximo de conforto e
bem-estar. Segundo Holland NF15 é terminal aquele paciente que
apresenta duas características fundamentais: a da incurabilidade e a do fracasso
terapêutico dos recursos médicos.
Ninguém discute hoje os
benefícios que a tecnologia moderna vem trazendo na preservação, erradicação e cura
das doenças e na reversibilidade da expectativa ante as condições mais adversas. O que
se discute no momento é o mau uso desses recursos, com suas implicações éticas, legais
e econômicas, evitando-se que ela se transforme num instrumento de exploração ou num
mecanismo de sofrimento inútil e de resultados ineficazes.
Mesmo que a morte faça parte
da vida de cada um de nós, este instante é muito pessoal e único. Por isso, já se
defende a idéia de que temos o direito de viver em toda plenitude a última etapa de
nossa existência, apesar dos sofrimentos e das limitações.
Nunca podemos esquecer que o
conteúdo e o significado da fase terminal da vida de um ser humano – a expectativa
da morte iminente, o lugar onde ele se encontra, a agonia, o sofrimento e os rituais que
precedem a sua morte -, estão intricados nos valores basilares que ele crê, e nos
costumes e tradições que envolvem este momento na cultura a que ele pertence.
Há quem considere admissível,
diante de um paciente salvável, prevalecer a preservação da vida sobre o alívio do
sofrimento, mesmo com algum constrangimento do paciente. E diante de um outro em fase de
morte inevitável, quando a cura não é mais possível e quando seu estágio de vida é
final, prevalecer o princípio do alívio do sofrimento sobre o da preservação de uma
existência precária, por considerar que qualquer tratamento mais agressivo traria
certamente sofrimentos inúteis.
Também é importante que se
defina o que significam procedimento ordinário e procedimento extraordinário. Se um
paciente terminal necessita de uma traqueostomia ou de uma alimentação parenteral, isso
deve ser feito por tratar-se muito mais de cuidados ordinários do que de tratamento. Por
outro lado, se um doente descerebrado necessitar de uma série de diálises renais, é
evidente que esse procedimento merece outra forma de discussão. Deve ficar bem claro que
o conceito de ordinário e extraordinário deve estar relacionado com o estado do paciente
e não com as condições da disponibilidade médico-hospitalar. O medo que faz é existir
hoje ou amanhã uma relação de procedimentos escrita considerando o que seja ordinário
ou extraordinário. E assim chegaríamos à situação em que alguém viesse considerar
uma hidratação ou uma traqueostomia como recurso despropositado.
Mesmo assim, qualquer que seja
o entendimento da equipe em relação a um paciente terminal, é muito justo que toda
conduta seja discutida com a família e, quando possível, com o próprio doente, levando
em conta o que é melhor para assisti-lo, mesmo sabendo-se que é difícil falar em
autonomia do doente terminal. O que se discute a partir daí, é a utilização de
recursos ou procedimentos considerados inúteis e capazes de trazer desconforto e
sofrimento ao paciente chamado terminal. E mais: suspender uma respiração artificial de
um paciente portador de uma vida vegetativa e sem nenhuma condição de reversibilidade,
com certeza não é uma forma de matar, pois o médico não deu início ao curso de
eventos que levará à morte o paciente.
Dentro deste quadro, há uma
pungente situação: a da criança enferma terminal, face o envolvimento dos pais
no processo, a necessidade de uma avaliação sobre a compreensão do pequeno enfermo a
respeito da morte e as repercussões negativas que podem surgir no seu psiquismo com a
comunicação dos profissionais. Entender também que a família da criança terminal é
um núcleo de alto risco psicológico, pois a enfermidade dela pode constituir um fator de
culpabilidade assimilado pelos pais, assim como a dificuldade de passar algumas
informações aos irmãos do pequeno paciente.
4. Critérios atuais para um diagnóstico de morte
O conceito de morte,
tradicionalmente aceito, constituiu-se por muito tempo na certeza da cessação total e
permanente de todas as funções vitais.
Hoje a tendência é aceitar-se
a morte encefálica, traduzida como aquela que compromete irreversivelmente a vida
de relação e a coordenação da vida vegetativa, diferente, pois, da morte cerebral
ou cortical, que compromete apenas a vida de relação.
Mesmo assim, é difícil
precisar o exato momento da morte porque ela não é um fato instantâneo, e sim uma
seqüência de fenômenos gradativamente processados nos vários órgãos e sistemas de
manutenção da vida. Hoje, com os novos meios semiológicos e instrumentais disponíveis
podem-se tecnicamente determiná-la mais precocemente.
Os fundamentos éticos de um
rigoroso conceito de morte nos levam a respeitar, entre outros, um determinado espaço de
tempo, dentro de uma criteriosa margem de segurança. Por isso, não podemos esquecer as
palavras de Vega Diaz NF16: "Um segundo pode ser a unidade de tempo
que faça de um sujeito vivo um cadáver, mas também pode fazer da morte um
homicídio".
Atualmente, a tendência é
dar-se privilégio à avaliação da atividade cerebral e ao estado de descerebração
ultrapassada como indicativo de morte real. Será que basta apenas a observação do
traçado isoelétrico do cérebro para se concluir pelo estado de morte? Acreditamos que
não.
A morte, como elemento
definidor do fim da pessoa, não pode ser explicada pela parada ou falência de um único
órgão, por mais hierarquizado e indispensável que seja. É na extinção do complexo
pessoal, representado por um conjunto, que não era constituído só de estruturas e
funções, mas de uma representação inteira. O que morre é o conjunto que se associava
para a integração de uma personalidade. Daí a necessidade de não se admitir em um
único sistema o plano definidor da morte.
Agora, o Conselho Federal de
Medicina aprovou a Resolução CFM n.º 1.480, de 8 de agosto de 1997, dispondo sobre
novos critérios de constatação da morte encefálica. Com a edição desta Resolução,
ficam atualizadas as normas anteriormente editadas, baixando seu limite de idade, criando
um termo de declaração de morte encefálica para ser preenchido no hospital e
estabelecimento onde se verificar o óbito. Os parâmetros clínicos para a avaliação da
morte encefálica estão indicados na valorização do coma aperceptivo com ausência da
atividade motora supra-espinhal e de apnéia. Os exames complementares ionizados para essa
confirmação devem estar representados pela ausência da atividade metabólica cerebral
ou pela ausência de perfusão sangüínea cerebral.
Desta forma, só há morte
quando existe lesão irreversível de todo encéfalo. Isto, além de ser tecnicamente mais
fácil e seguro de se confirmar, não nos levaria a intervir contra um comatoso que
mantém suas funções vitais sem a assistência de um respirador ou de certas medidas de
reanimação circulatória. Ou seja: com tais critérios pode-se dizer que existe uma
margem de segurança para se propor, no momento, um conceito ético de morte.
Mollaret e Goulon NF17
cunharam a expressão "coma depassé" como sendo aquele em indivíduos com
respiração assistida, arreflexia e perda irreversível da consciência, juntas com a
inatividade elétrica do cérebro.
É perigoso dizer-se que a vida
só deve ser preservada quando constituir um veículo para a consciência e que apenas a
consciência tem valor. Pode-se até admitir que alguém se expresse e se aperfeiçoe
mediante uma atividade, porém não se identifica com ela. Aquele pensamento pode levar a
políticas eugênicas e propostas seletivas, onde certamente os grupos discriminados
seriam mais vítimas ainda. Uma nobre intenção de hoje capaz de se transformar num
pesadelo amanhã.
Estamos certos de que podemos
hoje elaborar um razoável conceito ético de morte, desde que os critérios para sua
avaliação sejam simples, objetivos, universais e acessíveis. E que se entenda que o
momento da morte não pode ser objeto de diagnóstico porque ele não é evidente nem
avaliado. Mas podemos determinar a morte desde que se possa confirmar a ausência de
sinais de vida organizada. Esta determinação também não pode estar na morte de um
órgão, mesmo sendo ele indispensável, senão na evidência de sinais claros que indique
a privação da atividade vital como um todo e, se possível, registrados em instrumentos
confiáveis.
Resumindo: o fato de um
indivíduo, com privação irreversível da consciência, manter espontaneamente a
integração das funções vitais (respiração e circulação), demonstra que é uma
pessoa viva. Tal afirmativa, no entanto, não é o mesmo que manter tecnologicamente um
simulacro de vida, prolongar de forma artificial um sofrimento ou insistir no medicalismo
obstinado da medicina fútil.
5. Aspectos éticos
A eutanásia, mesmo com o
eufemismo de sanidicídio ou benemortásia, não pode deixar de merecer a
devida censura, tenha o médico o consentimento dos familiares do paciente (eutanásia
involuntária), ou se agiu a pedido do próprio paciente induzindo-o ou fornecendo meios
para o chamado suicídio assistido (eutanásia voluntária).
Assim, fica claro que o
médico não pode nem deve, de forma alguma e em nenhuma circunstância, contribuir
ativamente para a morte do paciente, pois isso se contrapõe ao seu compromisso
profissional e a sua formação moral. O médico, amparado na sua tradição e no seu
Código de Ética, fundamenta tal posição nos ditames que lhe vedam "utilizar em
qualquer caso meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou
de seu representante legal". Orienta-se no princípio que deve empregar o melhor do
seu esforço e da sua ciência, no sentido de "promover a vida humana e jamais
utilizar seus recursos para promover a morte". É inaceitável qualquer forma de
eutanásia, tal qual nós a entendemos, sempre que se possa ter o mesmo resultado –
não sofrimento, mantendo o respeito pela vida do paciente. Não é justo também que, por
razões utilitaristas, alguém venha privar um moribundo dos chamados procedimentos
primários, ainda que de certa forma paliativos.
Também deve ser registrado que
entre a ação e a omissão existe apenas um vácuo filosófico, mas a intenção do
resultado é a mesma. Fletcher NF18 afirma que "é ser ingênuo e
superficial supor que, não fazendo ‘nada positivamente’ para apressar a morte,
não somos cúmplices na sua morte. Não fazer algo é fazer algo, é uma decisão para
agir tanto quanto decidir em fazer qualquer outra coisa".
O mesmo se diga quanto ao
consentimento. Se ele existe, não justifica pois o interesse comum não pode ser
subjugado pelo interesse individual. A autorização de um ato, por si, não legitima sua
realização. A licitude do ato está na sua legitimidade e na sua indiscutível
necessidade. Mesmo que o consentimento do paciente estivesse vinculado à liceidade do ato
eutanásico, ainda assim não estariam afastadas as dúvidas. Dificilmente alguém em
estado gravíssimo e de iminência de morte poderia autodeterminar-se racionalmente para
autorizar sua morte. Se apenas fosse exigido o consentimento dos familiares, neste caso as
dúvidas ainda seriam maiores quando tantos interesses inconfessáveis poderiam fluir
contra o pobre moribundo. E se não existe o consentimento, quando das chamadas
eutanásias involuntárias, então, nesses casos, o fato é ainda mais grave porque os
princípios morais que tentam justificam a eutanásia tornariam ainda mais precária a sua
validade.
Até que ponto tem o médico o
direito de manter os meios de sustentação artificial da vida de um paciente com morte
encefálica, cujas funções cerebrais são irrecuperáveis? Até onde a ética do médico
permite a suspensão desses meios que mantêm vegetativamente uma vida?
Fala-se que a obrigação de
prolongar essa vida dependeria das relações médico-paciente-familiares, ficando o
profissional livre para decidir por sua consciência e por delegação dos responsáveis
legais.
Acreditamos que já contamos
com uma definição bem clara de morte e, assim, já temos como proceder mesmo nas
situações mais delicadas. Quando a própria lei remete ao Conselho Federal de Medicina a
oportunidade de definir os critérios para uma conceituação de morte encefálica,
achamos que a partir daí o problema ficou mais simples de ser resolvido: se o indivíduo
não se apresenta nas circunstâncias ali determinadas, ele está vivo e como tal não se
pode cogitar a eutanásia. Desta forma, fica bem claro, desde logo, existir uma
fundamental diferença entre a eutanásia –proibida e condenável – e a
suspensão de meios artificiais utilizados na manutenção de uma vida vegetativa para a
qual aqueles critérios já a definem como morte.
Também deve ser dito que a
suspensão de tratamento de um paciente grave que vive autonomamente, não é diferente de
matá-lo usando outro recurso, pois as situações são equivalentes sob o ponto de vista
moral. O gesto eutanásico está demonstrado de forma inequívoca.
Ipso facto, a
ortotanásia, constante da supressão de meios artificiais para o prolongamento da vida de
um indivíduo em "coma depassé", já merece a compreensão da sociedade, tendo
em conta que ele se mantém com respiração assistida, arreflexia e perda irreversível
da consciência, associadas a um "silêncio" eletroencefalográfico. Para essas
pessoas o prolongamento penoso de uma "vida vegetativa", por seus aspectos
físicos, emocionais e, mesmo, econômicos, seria de nenhuma utilidade. Gafo NF19
ao defender a ortotanásia afirma que ela tem o sentido de contribuir para que as pessoas
possam morrer humanamente, sem uso de qualquer processo capaz de apressá-la, mas tão-só
de torná-la uma medida que não prolongue a existência de uma vida vegetativa, cujos
critérios diagnósticos atualmente recomendados já consideram o indivíduo morto.
Ainda
que a ética não seja uma ciência exata, ela tem implicações lógicas que nos permitem
em cada caso um procedimento que se ajuste ao bem procurado. Se não tivermos bem definida
a questão da morte, através de critérios cada vez mais claros e precisos, a vida se
transformará num objeto disponível sujeito às imposições subjetivas, e isso não pode
se constituir numa experiência do atuar moralmente.
6. Conclusão
Diante do exposto, fica
claro que a eutanásia – aquela na qual se utiliza meios ou que se facilita a
supressão de uma vida, é prática condenável, e quando praticada pelo médico,
constitui subversão de toda doutrina hipocrática e distorção do exercício da
medicina, cujo compromisso é voltar-se sempre em favor da vida do homem, prevenindo
doenças, tratando dos enfermos e minorando o sofrimento, sem discriminação ou
preconceito de qualquer natureza. Kohl NF20 afirma que "é
interessante ler a bibliografia que exalta a eutanásia como ‘fato de piedade’.
Não é fácil descobrir nela o espirito utilitarista e a ultrapassagem ilícita dos
limites hierárquicos, elementos esses que, na prática, caracterizam todas as formas de
manipulação nocivas para o homem".
No que se refere à ortotanásia
– suspensão dos meios artificiais de manutenção da vida -, cada vez mais aceita e
compreendida, não pode ser considerada ilícita, pois em tais casos, se os critérios
utilizados na conceituação diagnóstica forem corretos, o indivíduo já está morto.
Por isso nunca é demais dizer que tais critérios para um diagnóstico de morte
encefálica devem ser mais e mais difundidos e explicados para o conjunto da sociedade,
pois só assim as pessoas passarão a ser sócias de tais decisões. Além do mais, não
há hoje necessidade do uso da expressão "eutanásia passiva" pelo seu sentido
dúbio, chamando de eutanásia a qualquer forma de supressão da vida, de forma direta ou
indireta, passiva ou ativa, voluntária ou involuntária, que tenha por medida antecipar a
morte de um paciente incurável, evitando-lhe o sofrimento e a agonia. Até porque
moralmente não existe nenhuma diferença entre alcançar um resultado por ação ou por
omissão.
O mesmo se diga quanto à distanásia
– obstinação terapêutica diante de casos irreversíveis e mantidos artificialmente
-, pois só assim teremos uma alternativa consciente de determinar respeitosamente o fim
da criatura humana. Isso nada tem a ver com o que se chama de "assassinato
piedoso". Uma coisa é se negar a cuidar da vida e prolongá-la; outra é prolongar
apenas o processo inelutável da morte, como assinala Haering NF21.
Acreditamos que esta
distinção de estágios de um paciente terminal é importante, não só por questões de
segurança ético-legal, mas como forma de equilibrar a inclinação pessoal, o interesse
público e a ordem social. Achamos até que tais distinções deviam existir na norma
penal, para que a matéria não fique no neutralismo das concepções apáticas, nem no
açodamento do impulso ousado, permitindo que se venha decidir pelo comodismo ou pelos
interesses inconfessáveis. Não esquecer ainda os três grandes riscos que a
generalização da eutanásia pode acarretar: a possibilidade de erro, a possibilidade de
abuso e o desgaste da relação médico-paciente. Abertas as portas, passarão também as
piores intenções e as conseqüências mais desastrosas. Além do mais, o perigo que uma
possível institucionalização da eutanásia poderia representar às pessoas mais fracas
de um determinado segmento social.
Se quisermos simplificar a
questão, diremos apenas que não se trata de sermos a favor ou contra essa ou aquela
forma de eutanásia, mas tão-só o cuidado de seguir criteriosamente o novo conceito de
morte, sabendo-se se o paciente está vivo ou não. Com isso, muitas das chamadas
"diretivas de futuro" (advance directives - DA), como os "testamentos
vitais" (living wills), ou os "poderes legais" (durable powers of
attorney), ambos instrumentos jurídicos para decisões subrogadas criados com base na
"lei da auto-determinação do paciente (patient self-determination act – PSDA),
até de forma compulsória em certos climas mais consumistas, principalmente quando do
internamento de pessoas carentes, já não terão maior significado. Clotet NF22,
com acentuada razão, afirma: "A atitude de desconfiança para com a PSDA é
compreensível quando se leva em conta as seguintes questões: Qual o momento em que o
curador deve iniciar o seu papel? É necessário um atestado médico ou do tribunal, para
poder assumir as funções de curador ou de responsável pelo paciente? O que fazer quando
as DA não têm nada a ver com o quadro ou situação extrema apresentados pelo
paciente?"
Finalmente, uma coisa é certa:
se o indivíduo está vivo, tratá-lo. Se ele morreu não há porque mantê-lo
artificialmente ligado a aparelhos. Não há meia vida nem meia morte.
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21 - Haering, B. Medicina e manipulação, São Paulo: Edições
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22 - Clotet, J. Reconhecimento e institucionalização da autonomia do
paciente: um estudo da "the patient self-determination act", Bioética,
1993;1:157-63.
Incluído em 08/10/2001 20:21:08 - Alterado em 21/06/2022 02:09:25
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