Prontuário Médico


Segredo Médico

Tempo de guarda do prontuário odontológico - Parecer Técnico ao MS

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Artigos sobre prontuários e sigilo

Segredo Médico    


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Genival Veloso de França

Há certas profissões que, por sua própria natureza e circunstâncias, estão sujeitas a uma forma mais rigorosa de conduta. A medicina é uma delas.


1.  Preliminares

                Há certas profissões que, por sua própria natureza e circunstâncias, estão sujeitas a uma forma mais rigorosa de conduta. A medicina é uma delas.
                O notável progresso das ciências biológicas e o número cada vez mais crescente de especialistas nos serviços de saúde trouxeram, inevitavelmente, uma nova estruturação no relacionamento médico-paciente. O segredo médico nos dias atuais não pode ser comparado ao da época hipocrática.
                Da maneira como está ele colocado no Juramento, o sigilo médico compreende apenas certos fatos, tendo-se em vista sua natureza e as suas normas, que se equiparam a uma espécie de compromisso entre os mestres de Cós e os neófitos da família de Asclepíades, quando de forma dogmática assegura: “o que, no exercício ou fora do exercício ou no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo”. Por isso, traduz uma obrigação moral e quase religiosa, não repousando em bases jurídicas nem sobre uma noção de ordem pública.
                Hoje, o silêncio exigido aos médicos tem a finalidade de impedir a publicidade sobre certos fatos conhecidos cuja desnecessária revelação traria prejuízos aos interesses morais e econômicos dos pacientes.  A privacidade de um indivíduo é, pois, um ganho que consagra a defesa da liberdade e a segurança das relações íntimas, por princípio constitucional e por privilégio garantido na conquista da cidadania. A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura “o direito de cada pessoa ao respeito de sua vida privada”.                         
Deve-se entender que o segredo pertence ao paciente. O médico é apenas o depositário de uma confidência. O segredo nasceu por exigência das necessidades individuais e coletivas: em favor dos pacientes, dos familiares e da sociedade em geral. Todavia,  ainda que o segredo pertença ao paciente, o dever de guarda da informação existe não pela exigência de quem conta uma confidência, mas pela condição de quem a ele é confiada e pela natureza dos deveres que são impostos a certos profissionais. Em suma, o segredo é um patrimônio público.
                Está claro que existe um interesse comum na tutela do segredo. A discrição e a reserva de determinados fatos assimilados no exercício de uma profissão visam a proteção e a defesa da reputação e do crédito das pessoas, e o Estado está diretamente interessado  que o indivíduo encontre soluções e guarida na inviolabilidade desse sigilo. Há, também, por isso, um interesse coletivo.
                Tem sido matéria controvertida se o segredo refere-se somente aos fatos revelados pelos doentes confidencialmente, ou também aos outros fatos que, de uma ou outra maneira, cheguem ao conhecimento do médico quando do exercício profissional. A se louvar no Juramento de Hipócrates, que manda calar apenas “os segredos que lhe forem confiados”, tem-se a idéia de que estaria o profissional obrigado a manter sigilo apenas daquilo que foi objeto da confidência do paciente.
                Esse conceito restrito não pode ser aplaudido. O segredo não se  constitui simplesmente de uma confidência. Se o médico chega a conhecer certos fatos pela circunstância que a intimidade profissional permite, deve respeitá-lo. Mesmo naquilo que o doente nega ao médico ou lhe quer deixar ignorar, há segredo.

2. O sigilo e o passar dos tempos
                
                Nos dias que correm, face os notáveis progressos verificados no campo médico, há uma nova disposição no relacionamento médico-paciente. A clássica concepção de segredo profissional vem sendo contestada diante das vertiginosas mudanças havidas na sociedade, desde os tempos antigos até agora.
                Numa profissão que encerra aspectos tão pessoais e circunstanciais como a medicina, nem sempre é fácil aceitar uma intervenção racional e inflexível. Assim, o médico de hoje não pode deixar de aceitar o fato de que, nas sociedades modernas e organizadas, a ciência médica se converte, queira ou não, num autêntico serviço público, com suas conveniências e inconveniências, pois a vida e a saúde das pessoas são tuteladas como um bem comum.
                A própria evolução da medicina, nos impressionantes avanços do momento, impõe um repensar que, pouco a pouco, vai substituindo uma deontologia clássica e universal por um sistema de normas adaptáveis à realidade  que se vive, mas que nem sempre todos os médicos aceitam. Chega-se a admitir que, hoje em dia, o segredo médico deve tolerar certas limitações, pois prevalece no espírito de quase todos o interesse coletivo sobre o interesse particular.                                Quando alguns atos médicos são televisionados ao vivo e quando a imprensa noticia, diariamente, de forma sensacional e chocante os célebres boletins sobre as condições de pessoas de certa projeção, o segredo médico vai se transformando em letra morta. A Medicina atual não pode ser comparada àquela praticada  antigamente. O segredo médico entre uma época e outra não é mais o mesmo. Por isso é ele atualmente o mais discutido e controverso problema deontológico, em virtude dos multifários e complexos aspectos que se oferecem.
                Os princípios éticos  não se apresentam sempre fáceis quanto a sua aplicação prática. Às vezes a situação aventada está num limite tão impreciso que parece, ao mesmo tempo, ser delito romper ou conservar o segredo. Por isso é necessário estar atento e saber distinguir os diferentes matizes deste delicado problema, para evitar meter-se em complicações desnecessárias, ou involuntariamente prejudicar outrem.
                O segredo médico não pode hoje ser defendido em termos absolutos como sugeria Francisco de Castro [1]:  “Esse segredo ou há de ser formal e absoluto, ou, se não o for, não passará de um embuste grosseiro, de uma arlequinada indecorosa, de uma farsa infamante de um homem de bem”.  Nem muito menos no conceito de confissão, que o direito canônico consagrou  e prescreveu com o máximo rigor nas palavras de Santo Agostinho: “O que sei por confissão, sei-o menos do que aquilo que nunca soube”.
                Esse conceito absoluto de segredo, com o caráter de inviolabilidade e sacralidade, surge nos tempos atuais contraditório em vários momentos do exercício profissional. Essa sacralização do segredo, essa assimilação da relação médico-paciente ao sacramento da confissão, essa elevação do silêncio do médico a uma virtude transcendente, esse fato de a violação do segredo ser tido a nível de pecado, são coisas que não podem ser admitidas nem mesmo pelos teólogos mais radicais. O segredo é de ordem natural e racional; a confissão é de natureza sacramental e transcendente.
                Também não se pode defender as idéias abolicionistas do segredo quando se o compara a uma farsa entre o doente e o médico, ou quando se censura a proteção de um interesse individual em  prejuízo dos interesses coletivos. Essa estranha e inconcebível corrente não deve ter muitos adeptos.
                O que deve prevalecer atualmente é o fato de ser o sigilo médico relativo, sendo sua revelação sempre fundamentada por razões éticas, legais e sociais, e que isso venha ocorrer com certa cautela e em situações muito especiais do exercício da medicina,  quando se diz que um interesse superior exigiu tal violação.

3. Quando se diz que houve infração

                No mundo inteiro as legislações consagram a inviolabilidade do segredo médico. O objetivo dessa proteção não é só estabelecer a confiança do paciente, cujas informações são fundamentais para assegurar um diagnóstico correto e uma terapêutica eficiente: é também por um imperativo de ordem pública e de equilíbrio social.
                Admite-se a infração por quebra do segredo médico quando sua revelação se faz de forma intencional, permitindo que um fato deixe de constituir confidência numa relação profissional e passe para  o conhecimento de terceiros que não estão nessa relação nem no direito de sabê-lo.
                A forma utilizada para a revelação dessas confidências pode ser a mais diversa. Pode ser escrita ou oral, por meio de carta ou pela imprensa, ou dirigida a pessoas certas ou incertas. Basta que o conteúdo do segredo e a identidade do paciente sejam levados ao conhecimento público ou particular. Para a caracterização do delito de quebra do segredo, faz-se necessário:
        1. Existência de um segredo. O segredo é o fato conhecido por alguém ou por um número limitado de pessoas interessadas na sua inviolabilidade, às quais a revelação poderia trazer certos danos. É uma forma de proteger a vontade e o interesse, de maneira expressa ou tácita, de que determinados assuntos sejam mantidos em caráter privado, pois do contrário trariam inevitáveis prejuízos de ordem moral ou material.
        2. Conhecê-lo em razão de função, ofício, ministério ou profissão. Porthes afirmava que “não há medicina sem confidências, não há confidências sem confiança e não há confiança sem segredo”. Assim, é fácil entender que não há como se exercer uma atividade tal qual a medicina sem ouvir as confidências e sem ter a consciência de que certos fatos devem ser mantidos sob sigilo, a não ser em casos muito especiais.
        3. Ausência de motivos relevantes. É evidente que, no exercício diário da medicina, o médico se depara com situações onde alguns conceitos mais ortodoxos do segredo são relevados, face as imposições de interesse público ou mesmo individual. Desse conflito com as incompatibilidades das concepções médicas ou jurídicas, deve prevalecer o respeito às necessidades imediatas. O que se pune, quando da revelação escusada, é a leviana atitude de trazer ao conhecimento alheio determinados acontecimentos que fazem parte da privacidade do paciente ou de seus familiares.
        4. Possibilidade de dano a outrem. Para alguns não é necessário que a quebra do segredo médico chegue a causar danos. Temos repetido que  “basta a simples quebra do segredo para que se configure a infração, independente da concretização do dano” [2].
        5. Existência de dolo.. A infração de quebra do sigilo profissional é sempre por dolo, ou seja, quando o agente divulga conscientemente uma confidência e quando ele sabe que está agindo de forma contrária à norma. Nunca por culpa, pois nesta faltariam os elementos necessários para sua caracterização. Assim, por exemplo, a perda de um envelope contendo resultados de exame de um paciente, possibilitando alguém conhecer sobre sua doença, não caracteriza o crime de  divulgação do segredo. O mesmo se diga quando o rompimento do sigilo ocorre por coação física ou moral.

4. Quando se diz que não houve quebra do sigilo

                O Código de Ética Médica vigente, em seu artigo 102, adverte que “é vedado ao médico revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.
                Pode-se dizer que justa causa é o interesse de ordem moral ou social que autoriza o não cumprimento de uma norma, contanto que os motivos apresentados sejam relevantes para justificar tal violação. Fundamenta-se na existência de estado de necessidade.
                Confunde-se seu conceito com a noção do bem e do útil social, quando capazes de legitimar um ato coativo. Está voltada aos interesses individuais ou coletivos e defendida por reais preocupações, nobres em si mesmas, e condizentes com as prerrogativas oriundas das conquistas de uma sociedade organizada. Enfim, é o ato cuja ocorrência torna lícita uma transgressão.
                O universo da justa causa é muito amplo e por isso nem sempre é fácil estabelecer seus limites. Está muitas vezes nos fatos mais triviais da convivência humana, na decisão de quem exerce uma atividade especial ou no conflito das proletárias  tragédias do dia a dia. É claro que não pode existir uma abertura excessiva em seu conceito senão ocorrerá a debilidade da ação coativa.
                Há, enfim, uma multidão incalculável de situações e acontecimentos na vida profissional do médico que não está normatizada, desafiando até os mais experientes. Mesmo que o segredo médico pertença ao paciente como uma conquista sua e do conjunto da sociedade, há de se entender que essa reserva de informações é relativa, pois o que se protege não é uma vontade caprichosa e exclusivista de cada um isoladamente, mas a tutela do bem comum, os interesses de ordem pública e a harmonia social. E o que se proíbe é a revelação ilegal que tenha como motivação a má-fé, a leviandade ou o baixo interesse.
                Por outro lado, entende-se por dever legal a quebra do segredo por obediência ao que está regulado em lei, e o seu não cumprimento constitui crime. No que concerne ao segredo médico, pode-se dizer que poucas são as situações apontadas na norma, como por exemplo a notificação compulsória de doenças transmissíveis, tal qual está disciplinada na Lei n.º 6.259, de 30 de outubro de 1975 e no Decreto n.º 49.974-A, de 21 de janeiro de 1961.
                Não há como confundir justa causa com dever legal. São duas coisas distintas. Não podem ser rotuladas como sinônimos. Só é dever legal aquilo que está claramente definido na lei. O Código de Ética Médica não poderia ser redundante. É perfeitamente concebível que num corpo de normas não poderiam caber todas as situações possíveis e imagináveis do segredo médico, até porque a lei tende a ser genérica e refratária ao casuísmo.
                Finalmente, diz-se que não há infração por quebra do segredo médico quando isso se verifica a pedido do paciente maior e capaz, ou, caso contrário, de seus representantes legais. Ainda assim, recomendamos que essa ruptura do segredo seja precedida de explicações detalhadas, em linguagem acessível, sobre sua doença e sobre as conseqüências dessa revelação. Isso porque, em certas ocasiões, tal declaração pode trazer ao paciente prejuízo aos seus próprios interesses. Muitos aconselham até que esse pedido do paciente, quando da revelação do segredo, seja por escrito, por livre manifestação e mediante um consentimento esclarecido. De qualquer forma, nos atestados ou relatórios, deve constar sempre que a revelação das condições do paciente ou do seu diagnóstico foi a pedido dele ou de seus responsáveis legais.




5. Situações especiais.

                Há na vida profissional do médico várias situações que permitem  dúvidas e controvérsias no  que se refere à validade ou não da quebra do segredo, tais como:
        1. Em causa própria. São divergentes as opiniões se o médico deve ou não romper o sigilo profissional em defesa de um interesse próprio, quando, por exemplo, sentir-se injuriado por alguém. Alguns admitem que atribuir violação do sigilo médico em tais casos seria facultar às pessoas inidôneas motivações para atingir levianamente o profissional. No entanto, a maioria admite que o médico não pode utilizar-se de informações confidenciais de seus pacientes no interesse próprio, mas procurar na Justiça o foro apropriado para cada decisão.
        2. Estudantes de medicina. Tudo aquilo que o professor, o preceptor ou mesmo o médico passa para um estudante de medicina, no interesse de seu aprendizado, não se pode considerar como infração por quebra do sigilo. É inconcebível admitir-se que se possa formar médicos para o futuro sem o seu tirocínio prático. O que deve constituir modelo desaconselhado ou mesmo afronta aos ditames éticos é a informação de fatos alheios a esse aprendizado e que dizem respeito apenas a baixos propósitos Por sua vez, venha o estudante divulgar um fato que teve conhecimento durante suas aulas e no interesse da sua formação, responde criminalmente por esta indevida divulgação.
        3. Revelação ao paciente. Cada dia que passa  mais e mais se defende a idéia de que os pacientes devem saber a verdade sobre suas doenças. Isso não se pode considerar quebra do segredo médico. O que se recomenda é que essas verdades sejam levadas com certa prudência, principalmente diante dos casos mais graves. Aos familiares dos pacientes a regra é dizer sempre a verdade, a não ser determinados fatos que possam ser administrados pelo paciente e que lhe tragam algum desconforto sua revelação. Martin [3] afirma que “a sonegação ao paciente é tolerada quando a informação possa prejudicar o paciente”.
        4. Segredo ”post-mortem”. Após falecimento do paciente o médico ainda se vê na obrigação ética e legal de manter o sigilo como forma de respeito a sua privacidade. Mesmo depois da morte as pessoas têm asseguradas a proteção e a reserva de suas confidências, movidas pelo sentimento de piedade que se deve ter diante do morto e de sua memória. Royo-Villanova [4] afirmava:  “Não se deve permitir especulações exibicionistas com os que acabaram de morrer, tanto em favor de sua piedosa recordação como dos seus parentes que seguem entre nós”.
        5. AIDS e sigilo profissional. Caso um paciente aidético manifeste o desejo de que nem seus familiares tenham conhecimento dessa condição, ao médico cabe respeitar tal pedido. Isto está assegurado na Resolução CFM n.º 1.358/92. No entanto, é recomendável  que o profissional peça ao paciente que indique uma pessoa de sua confiança para que possa servir de intermediário entre ele e quem o assiste.
        A parte mais difícil desta questão é a que se refere aos comunicantes sexuais, principalmente quando os infectados pelo HIV se recusam a dar tal informação. Neste caso, invocando-se  o princípio da justa causa, é legítimo que o médico procure aquelas pessoas e lhes informe sobre as condições do seu parceiro. É o que preceitua a Resolução CFM n.º 1.359/92.
        Está também justificada a revelação dos pacientes portadores de AIDS quando, atendendo ao princípio do dever legal, o médico notifica, por interesse epidemiológico, à instituição de saúde pública competente.                  
        Os trabalhadores infectados pelo HIV não fogem à regra da proteção do sigilo. Não se pode pedir exames sem seu conhecimento e aprovação, nem muito menos repassar essas informações aos seus patrões, principalmente quando eles têm condições físicas e psíquicas de trabalhar e quando o efetivo exercício de  suas atividades não traz risco ou prejuízo para outros. Isto está bem claro na Resolução CFM n.º 1.359, de 11 de novembro de 1992, dirigida aos médicos de juntas oficiais quando na avaliação admissional de pessoal. Condenável também é a realização compulsória da sorologia para HIV, em especial como condição necessária para internação hospitalar.
        No que diz respeito à solicitação judicial ou administrativa sobre informações de menores infratores e detentos do sistema correcional, portadores de sorologia positiva para o HIV, o Conselho Federal de Medicina, em seu Parcer-Consulta n.º 04/91,  enfatiza que não há nenhuma contribuição na adoção de medidas generalizadas nesse particular, notadamente quando não se tem uma estratégia de atendimento subseqüente nem uma maneira de respeitar a dignidade das pessoas. Aumentarão, sem dúvida, a estigmatização, os preconceitos e a hostilização. No entanto, revelar o segredo médico aos pais ou responsáveis legais (no caso, o juiz de menor competente), pode-se entender como necessário, depois de aprovada a incapacidade do menor interno de dar solução ao problema, por seus próprios meios. O mesmo se diga quanto à equipe multidisciplinar de tratamento do menor recluso, entendendo que a solução do problema não está limitada exclusivamente à ação do médico e pelo fato de estarem também, aqueles profissionais, sujeitos ao sigilo, por imperativo do artigo 157 do Código Penal brasileiro.
        6. Segredo e Perícia Médica. A perícia médica, quando da realização dos exames em juntas oficiais, no tocante ao segredo médico, está regulada pelo artigo 205, da Lei n.º. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que assim estatui: “o atestado e o laudo de junta médica não se referirão ao nome ou natureza da doença, salvo quando se tratar de lesões produzidas por acidentes em serviço, doença profissional ou qualquer das doenças especificadas no artigo 186, parágrafo 1º”.
        O artigo 186, inciso I, desta mesma Lei, diz que o servidor será aposentado por invalidez permanente, com proventos integrais, quando decorrente, dentre outras, do que estabelece o seu parágrafo 1º: “Tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), síndrome da imunodeficiência adquirida – SIDA, e outras que a lei indicar com base na medicina especializada”.
        Entendeu-se que o serviço público não poderia satisfazer seus interesses burocráticos apenas com a alegação  de um diagnóstico vago diante de situações tão sérias, nem seria justo que o incapacitado ficasse permanentemente sob a suspeita de ser ou não portador de uma das patologias amparadas em lei.
        Desse modo fica patente que o médico participante de juntas oficiais não comete infração ao quebrar o segredo profissional daquelas enfermidades, pois está amparado por uma das situações previstas no artigo 102 do Código de Ética Médica – o dever legal, tendo em vista não só viabilizar o interesse do servidor inválido, mas, também, o interesse da res publica.
        7. Requisição de prontuários. A obrigação da guarda do sigilo médico também se estende aos prontuários e fichas hospitalares ou ambulatoriais, e aqueles que não cumprirem tais fundamentos estão sujeitos às sanções éticas e legais.
        Deste modo, não existe qualquer argumento para que médicos ou funcionários de entidades nosocomiais públicas ou privadas enviem prontuários dos pacientes, sejam quem forem os solicitantes, até porque não há em nossa legislação qualquer dispositivo que nos obrigue a isso. Embora as fichas e prontuários pertençam ao paciente naquilo que é mais fundamental – as informações ali contidas, o poder de guarda é da instituição de saúde. Em tese, os fichários dos hospitais têm caráter secreto.
        Com esse pensamento sentenciou o Superior Tribunal Federal no Habeas Corpus  n.º. 39.308 de São Paulo, em cuja emenda se lê: “Segredo Profissional: Constitui constrangimento ilegal a exigência de revelação do sigilo e participação de anotações constantes das clínicas e hospitais”. Igualmente pronunciou-se em acórdão do Recurso Extraordinário Criminal n.º. 91.218-5-SP, 2ª Turma, negando o direito  de requisição da ficha clínica e admitindo apenas ao perito o direito de consultá-la, mesmo assim, obrigando-o ao sigilo pericial, como forma de manter o segredo profissional (RT, 562, ag./1982, 407/425).        
        No entanto, por solicitação do paciente e em sua própria defesa, admite-se que o médico não comete infração de divulgação do segredo profissional se ele testemunhar ou apresentar cópias de prontuários, de papeletas ou de boletins. Também não se pode negar ao perito do juiz acesso a esses documentos.
        Entendemos ainda que as instituições prestadoras de serviços médicos não estão obrigadas a enviar seus prontuários, mesmo por empréstimo, aos seus contratantes públicos ou privados, nem aos Conselhos de Saúde. Assim está estabelecido nos  Pareceres-Consulta CFM n.º 02/94 e 05/96.
        8. Revelação de crime. A  lei  nos obriga comunicar à autoridade competente os crimes de ação pública que independa de representação e desde que essa comunicação não exponha o paciente a procedimento criminal. Isto está previsto no inciso II, do artigo 66 da Lei das Contravenções Penais. Um dos casos mais comuns em nossa atividade é a constatação de prática criminosa de aborto e, pelo visto, não se pode denunciar a paciente, desde que ela esteja sujeita a procedimento criminal. O mesmo não se dá, por exemplo, se é constatada a indução ou a fraude na prática abortiva. Mendes [5], apud Hungria, afirma: ”O dever do sigilo é devido à paciente e não ao seu algoz”.                
        9. Informação à autoridade sanitária. O médico está, por dever legal, obrigado a comunicar às autoridades sanitárias competentes a constatação de doenças infecto-contagiosas, sob pena de responder criminalmente por delito de omissão de notificação de doença cuja comunicação é compulsória. Fundamenta essa imposição a necessidade de proteção da saúde pública, cuja importância é de indiscutível interesse.
        10. Privacidade e sigilo em informática médica. Hoje já contamos com recursos bem concretos nos sistemas de processamento eletrônico de dados, não só para as tarefas administrativas dos hospitais, mas, também, para o conjunto das necessidades das ações de saúde.
        No entanto, quando todas essas informações, integradas num sistema de computação, estiverem nas mãos de grupos inescrupulosos, é muito fácil entender o perigo da manipulação. Desse modo, todo cidadão poderá ser transformado em prisioneiro da cibernética ou em possível vítima de injúrias eletrônicas.
                A primeira medida a ser tomada pelas instituições de saúde é estabelecer um critério definido do uso e da revelação dessas informações, no sentido de que apenas se limitem ao essencial e ao justo fim invocado, e que se omitam, ao máximo, os detalhes pessoais nos programas usados pelos sistemas de saúde.  
        Os pacientes esperam que as informações prestadas sejam mantidas como confidenciais. Além disso, aguardam também que as informações solicitadas sejam restritas ao que é necessário e relevante, e que se tenha o  cuidado  de pedir sempre o seu consentimento quando da revelação de dados. Mesmo na pesquisa, quando seus critérios e  objetivos estiverem  bem definidos nos protocolos de investigação, ainda assim o hospital ou o serviço de saúde deve criar regras claras para o uso das informações programadas, fazendo que o pesquisador assuma compromissos com a inviolabilidade das confidências e que haja autorização esclarecida de cada paciente incluído no projeto. Esse consentimento é fundamental e a forma mais correta de obtê-lo é através de autorização por escrito, antecedida de esclarecimentos detalhados e de linguagem acessível, onde fiquem claros seus direitos de recusa e de desistência em qualquer fase da pesquisa, além da garantia de continuidade do tratamento pelos métodos convencionais. Nos casos permitidos  de pesquisa em pacientes menores de idade ou incapazes, deve haver o consentimento esclarecido do seu responsável legal.
        11. Tempo de guarda da informação. Embora não  exista em nossa legislação nenhum dispositivo que regule o tempo de manutenção dos registros médicos de um paciente, acreditamos que cada setor de especialidade deva fixar seus próprios critérios para a guarda desses dados. É interessante que se estabeleça o que é de interesse permanente e o que é de interesse passageiro para o paciente, no que se refere à guarda dessas informações. Certos dados relativos aos registros secundários, capazes de identificar o paciente e que não apresentam importância significativa, deverão ser mantidos em média por um prazo de cinco anos.
        12. O sigilo médico e a imprensa. Quando se pede que a imprensa seja compreensiva com as questões do sigilo profissional médico não estamos querendo impossibilitar a divulgação dos fatos ou impedindo que outros profissionais exerçam suas atividades. Mas que cada coisa seja colocada nos seus devidos lugares: no interesse do conjunto da sociedade, que necessita das informações; e no respeito à dignidade de cada um, que reclama sua privacidade.
        Muitas vezes perguntamos: O que se espera atingir com a divulgação de certas notícias? Quem determina o que deve ser veiculado e com que finalidade? Quantas “verdades” existem sobre certos fatos e a quem a imprensa serve?
        Acreditamos que a Medicina e a Imprensa, no que tange às informações,  têm um débito para com a verdade. Os médicos, pelo seu hermetismo contumaz, têm negado aos órgãos de informação fatos que são importantes para a prevenção de tantos males,  preferindo a divulgação de seus feitos pessoais mais emocionantes. Os profissionais da imprensa, por sua vez, utilizam-se do sensacionalismo e nem sempre se mostram interessados nos programas capazes de promover mudanças mais significativas.
        13. O segredo no atestado médico. Sempre foi uma questão polêmica o fato de se poder ou não declarar o diagnóstico nos atestados médicos. Alguns acham que o médico deve omitir sempre esse diagnóstico. Outros admitem que a quebra é necessária, principalmente no interesse funcional do paciente ou de seus privilégios securitários. No entanto, se levarmos em conta a determinação do Código de Ética Médica vamos observar que esse diagnóstico só pode ser consignado, nominalmente ou em código, nas três situações ali admitidas: justa causa, dever legal e autorização expressa do paciente. Tal decisão está assinalada nos Pareceres-Consulta CFM n.º 11/88, 25/88 e 32/90.
        14. O segredo no boletim médico. No tocante ao segredo nos boletins médicos há os que defendem pacificamente a idéia da divulgação detalhada da enfermidade e da evolução clínica do enfermo, com mais razão se ele é pessoa influente ou estimada. Isto para que a sociedade tenha conhecimento de suas verdadeiras condições.  Outros admitem que, por mais importante que seja o paciente em vida ou após a morte, deve-se a ele o respeito às circunstâncias de natureza privada e que o médico deve se orientar pelos princípios deontológicos que regem o segredo profissional. Entre uns e outros há os que defendem a administração política do fato como forma de proteger e resguardar  os interesses de ordem pública, de assegurar a ordem social e de manter o equilíbrio emocional das populações, entendendo que o boletim médico é um expediente inevitável. Enfim, como ele é incontornável, que seja sóbrio, objetivo e verídico, rigorosamente fiel ao que dispõem as regras do segredo profissional.
        15. O segredo e a cobrança judicial de honorários. Em princípio não há reparo qualquer a  fazer ao médico que se socorre do poder judiciário para receber seus honorários, principalmente quando foram esgotados os meios extralegais. Recomenda-se, no entanto, que mesmo em tais situações, o médico não deva quebrar o segredo relatando o diagnóstico ou certas particularidades do paciente.

6. Conclusões

                Pelas considerações acima restou evidente que a quebra do segredo profissional não é somente uma grave ofensa à liberdade do  indivíduo, uma agressão a sua privacidade ou um atentado ao exercício da sua vontade. É também uma conspiração à ordem pública e aos interesses coletivos. Estima-se ser o sigilo médico o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos que tomou conhecimento no exercício de suas atividades, e que não seja imperativo divulgar. Nosso Código de Ética Médica, portanto, afastou-se do conceito absolutista – que impõe o sigilo incondicional em qualquer situação, e do conceito abolicionista – que desaprova qualquer reserva de confidências, adotando o conceito relativista do segredo, quando admite a revelação por “justa causa, dever legal ou por autorização expressa do paciente”.
                Fica também muito claro que o sigilo médico nos tempos hodiernos não pode mais se revestir do mesmo caráter de sacralidade e inviolabilidade da confissão. Constitui-se hoje o segredo médico um instrumento social em favor do bem comum e da ordem pública. Sendo assim a sua revelação, em situações mais que justificadas, não pode configurar-se como infração ética ou legal, principalmente quando se visa proteger um interesse contrário superior e mais importante.
                Sempre que tiver a necessidade de quebrar o segredo, o médico deve fazer constar que a revelação das condições, do diagnóstico ou do prognóstico do paciente foi a pedido dele ou de seus responsáveis legais. E mesmo assim, em situações de claro comprometimento dos interesses do paciente, fazer ver a ele os possíveis prejuízos ou, até mesmo, em ocasiões mais extremadas, negar-lhe o pedido. A violação do sigilo deve ser analisada no conjunto dos interesses de todos quanto possam estar envolvidos.
                                        
BIBLIOGRAFIA
1-        Castro, F. Discursos. Edição particular, 1902.
2-        França, GV. Direito Médico, 7ª edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 1999.
3-        Martin, LM. A ética médica diante do paciente terminal, Aparecida: Editora Santuário, 1993.
4-        Royo-Villanova, R. El secreto médico post mortem, Arch. Fac. Med. 5(17):72-91, 1970.
5- Mendes, AC. Aborto médico, Arq. Cons. Reg. Med. PR, l2(46):105-112, 1995.
                

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Genival Veloso de França
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Incluído em 10/11/2001 12:09:41 - Alterado em 20/06/2022 10:13:02





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