|     A perícia em casos de tortura |     AIDS - Um enfoque ético-político |     As razões do Código de Ética Médica de 1988 | 
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         Acredito
  que, em nenhum momento da existência humana, jamais houve um inimigo biológico mais
  poderoso, capaz de trazer tantos desafios e de confundir tanto a opinião pública como a
  Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Certamente, ainda vamos permanecer
  atônitos e perplexos por muito tempo, mesmo depois da descoberta do seu tratamento,
  porque inúmeras são as implicações dessa nova ordem no contexto das relações
  sociais. Nenhuma doença trouxe, no seu conjunto, tanta perplexidade e inquietação
  quanto a AIDS, seja no seu aspecto epidêmico, moral ou imunológico, seja no seu caráter
  incurável e letal. Pelo menos, é assim que ela é vista por muitos. E o pior: toda vez
  que discriminamos as vitimas, fortalecemos mais e mais a doença. 1. Chauí M. Repressão sexual - Essa nossa desconhecida.São Paulo:
    Brasiliense,1985. 2. Foucault M. História da sexualidade. A vontade de saber. vol. I, Rio de
    Janeiro: Graal, 1984. 3.França, GV. Comentários ao Código de Ética Médica, 3ª edição, Rio: Editora
    Guanabara Koogan S/A, 2000. 4. França GV. Direito Médico. 6ª edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk,
    1995. 5. Levi G. Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Revista da
    Associação Médica Brasileira, vol. 31, n°. 9/10, 1985. 6. Sontag S. A doença como metáfora.Rio de Janeiro: Graal, 1984. Índice
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 AIDS - Um enfoque ético-político
AIDS - Um enfoque ético-político
 
   
 
 
 
    
  			 
			 
			
            
 
 
 
 
Acredito que, em nenhum momento da existência humana, jamais houve um inimigo biológico mais
  poderoso, capaz de trazer tantos desafios e de confundir tanto a opinião pública como a
  Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
  
  Introdução
  A
      esterilização dos HIV – positivos
  O
      aborto da mulher infectada pelo HIV
  A
      gestante HIV-positiva
  A
      infecção pelo HIV e o recém-nascido
  O
      sigilo como instrumento social
  A
      inconveniência dos testes pré-admissionais
  O
      problema do menor infectado em estabelecimentos correcionais
  A
      postura do médico infectado
  A
      postura do médico ante os doentes e infectados pelo HIV
  A
      infecção pelo HIV e o paciente que vai morrer
  As
      deficiências da legislação brasileira
  Conclusão
  Referências
      Bibliográficas
  
  
  
  No entanto, a partir do
  instante de uma reflexão mais atenta, começamos a enxergar uma multidão de fatos que
  alucina e dá à AIDS um rótulo maldito e fatal. Mas, tão contraditório, a ponto de
  não existir ainda uma resposta imediata para justificar o seu aparecimento, se ela é ou
  não uma doença atual e qual a razão de sua trágica rapidez. Seria ela uma nova doença
  tão ao gosto das mentes especulativas ou apenas a reorganização sistemática de uma
  propedêutica sobre o que já existia?
  
  Mesmo que a intuição
  científica leve a crer que estamos marchando para a cura da AIDS, muitas verdades
  médicas ainda não foram decodificadas e o preconceito continua a crescer como uma
  avalanche arrasadora. O perigo de tal avanço é que essa doença saia do corpo dos
  pacientes e permaneça na imaginação de todos, estigmatizada pela discriminação odiosa
  e fantasiada pelo modismo que contamina os doentes, a sociedade e os próprios médicos. O
  risco, portanto, é se transformar a AIDS numa ficção, ou criar-se uma ideologia
  política autoritária capaz de promover o medo como controle social mais rigoroso.
  
  Quando se disse, no início,
  que ela seria uma entidade dos homossexuais, era de fato dos homossexuais porque apenas
  neles se procurou a doença. Depois, afirmou-se que podia ser ainda dos consumidores de
  drogas injetáveis e passou a ser igualmente deles. Agora, é também dos heterossexuais,
  e a sua incidência, segundo essa visão, é cada vez maior. Já se acredita que, sendo a
  AIDS uma virose clássica e tendo como via principal de contágio o ato sexual, e
  admitindo-se como verdadeiro que as pessoas são, em sua maioria, heterossexuais, no
  futuro, não muito distante, a prevalência dos pacientes e infectados, seria de
  heterossexuais.
  
  O fato é que hoje, em toda
  parte, os portadores de AIDS enfrentam uma situação constrangedora. Sofrem o horror de
  uma doença que os estigmatiza no convívio social e os avilta na luta pelos meios de
  sobrevivência. São doentes marginais do desprezo e do abandono, mesmo dos que lhes são
  próximos. Negam-lhes tudo: o afeto, a estima, a solidariedade e, até, o direito de
  morrer com dignidade.
  
  Vejamos algumas situações:
  
  
  
  A esterilização dos HIV
  – positivos
  
  Qualquer que seja o andamento
  da discussão que favorece a esterilização humana, como forma de inserção numa
  política de planejamento demográfico, não existe nenhuma justificativa de ordem ética
  ou legal, capaz de legitimar essa prática em pessoas portadoras de sorologia positiva
  para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), porque qualquer forma de insinuação
  eugênica traz sempre o ranço do constrangimento e as marcas da repugnância.
  
  Mais grave do que esterilizar
  um homem ou uma mulher, hígido e capaz, é invadir a intimidade de um ser humano,
  aviltando-o na sua dignidade e mutilando-o nas suas funções, unicamente com o sentido de
  privar a sociedade da responsabilidade, da vigilância e dos cuidados, pelo fato de ser
  portador - mais de um estigma do que de uma doença, deixando bem claro o indisfarçado
  preconceito contra esses indivíduos, expostos quase sempre às crueldades de uma
  sociedade hipócrita e egoísta.
  
  
   O aborto da mulher infectada
  pelo HIV
  
  Ainda que exista o risco da
  contaminação ou de doença do feto, não se permite legalmente nem se considera
  eticamente defensável a prática do abortamento da mulher infectada pelo HIV. O Código
  de Ética Médica em vigor, em consonância com a legislação penal brasileira, só
  admite o aborto em duas situações: para salvar a vida da gestante ou nos casos de
  gravidez resultante de estupro.
  
  Pelo fato de se tratar de uma
  matéria sem resposta definitiva, no que diz respeito à influência da sorologia positiva
  no processo gestacional e da própria saúde do feto, minha opinião é que não existe
  nenhum argumento ético, jurídico ou técnico, capaz de fundamentar a interrupção de
  uma gravidez numa portadora de HIV-positiva ou mesmo de uma doença de AIDS, a não ser
  que suas condições de saúde sejam agravadas pela gestação, que cessada a gravidez
  cesse o perigo e que não haja outro meio de salvar-lhe a vida.
  
  
   A gestante HIV-positiva
  
  Ainda que exista uma
  possibilidade de morte precoce, de sofrimento oriundo da doença, de riscos de
  contaminação do feto e de informações desestimuladoras, esses fatos nem sempre têm
  desanimado as mulheres HIV-positivas na sua decisão de engravidar. Não se sabe ainda,
  por exemplo, a época exata da contaminação - se durante a vida intra-uterina ou se no
  momento do parto, mas, uma coisa é certa: a gravidez, nesta hipótese, não melhora nem
  piora as condições imunológicas das gestantes.
  
  Assim, seja qual for a
  entendimento que se tenha a respeito da transmissão, das formas de infecção e do
  mecanismo de contágio, o médico não pode impedir essa mulher de engravidar e ter seu
  filho, se esse é o seu desejo. Mas, tão-somente, oferecer-lhe todos os meios e recursos
  necessários e disponíveis para uma gestação nestas condições. Nenhum médico e
  nenhuma instituição de saúde pode negar-lhe assistência, pois isso é um ditame ético
  exigido a todos aqueles que professam a medicina, mesmo que possam ter um entendimento
  diverso sobre a questão, no seu plano conceitual e doutrinário.
  
  Qualquer que seja a posição
  no sentido de que todas as gestantes façam ou não o teste sorológico, ou apenas aquelas
  de comportamento de risco, dois fatos são imperativos: primeiro, que o teste seja
  voluntário e que diante de sua negativa seja assegurado o acompanhamento do pré-natal e
  do parto; segundo, que seja garantido o sigilo do resultado.
  
  
   A infecção pelo HIV e o
  recém-nascido
  
          Ninguém discute aqui o
  valor e a procedência do diagnóstico precoce da infecção, permitindo à mulher
  utilizar-se de processos contraceptivos capazes de evitar a gravidez em tal estado, ou
  como forma de orientação de cuidados pré e pós-natais, no sentido de reduzir ao
  máximo risco da contaminação do feto ou do recém-nascido, além dos procedimentos
  necessários ao infante eventualmente infectado. Aqui também o exame deve ser
  facultativo, embora se deva registrar em prontuário a recusa da mãe gestante,
  principalmente se é ela do grupo chamado de procedimento de risco. O sigilo, quanto ao
  resultado, torna-se da mesma maneira obrigatório.
  
  
  O sigilo como instrumento
  social
  
  
  É imperioso lembrar que o
  segredo médico é um direito do paciente, como forma definitiva de conquista da cidadania
  e somente a ele cabe abrir mão desse privilégio. A não ser nas duas outras situações
  que o Código de Ética Médica desobriga: por justa causa ou por dever legal.
  O paciente infectado pelo HIV não foge a essa regra.
  
  Se o paciente, neste
  particular, manifesta o desejo de que seus familiares não tenham conhecimento de suas
  condições, ainda assim deve o médico respeitar tal decisão, persistindo essa
  proibição de quebra de sigilo mesmo após a sua morte. No entanto, é providencial que
  se exija do portador do HIV-positivo a designação de uma pessoa de sua inteira
  confiança para servir de intermediário entre ele e quem o assiste, e que o paciente
  colabore no sentido de cientificar aos seus parceiros sexuais ou membros de grupo de uso
  de drogas pesadas, no intuito de evitar a propagação do mal. Por outro lado, é
  obrigatória a notificação de todos os casos suspeitos ou com diagnóstico confirmado de
  AIDS. Não deve haver notificação dos casos de pessoas simplesmente infectadas pelo HIV.
  
  Desse modo, só será permitida
  a quebra do sigilo profissional quando houver expressa autorização do paciente ou de
  seus responsáveis legais; por dever legal, nos caos de notificação compulsória à
  autoridade sanitária ou em preenchimento de atestado de óbito de portadores de AIDS; ou,
  por justa causa, nas situações de proteção da vida e da saúde de terceiros –
  quando membro de grupos de uso de drogas injetáveis ou comunicante sexual, ou o próprio
  paciente, recusar-se lhes fornecer informações quanto a sua condição de infectado.
  
  Se os portadores de HIV
  confiarem na preservação do sigilo das informações prestadas às equipes
  multiprofissionais que cuidam desses casos, e que somente na condição de doentes de AIDS
  haveria comunicação aos setores sanitários responsáveis, além da certeza do respeito
  a sua privacidade, estaria resolvida, em parte, a questão dos exames periódicos
  voluntários, contribuindo de forma significativa para o controle e a avaliação do
  quadro epidemiológico.
  
  
  
  A inconveniência dos testes
  pré-admissionais
  
  
  Uma das formas de preconceito
  mais evidente, na relação com possíveis portadores do HIV, é a solicitação de exames
  pré-admissionais que se vem impondo como condição de ingresso no trabalho, na escola e,
  até mesmo, no internamento hospitalar, na expectativa de surpreender indivíduos
  sorologicamente positivos.
  
  Entendo que não existe
  qualquer justificativa técnica ou científica para tais exames. Quem necessita saber
  sobre esses resultados são os próprios indivíduos e as autoridades sanitárias que
  organizam suas campanhas e medem a extensão do problema. Agindo-se de tal maneira contra
  os soropositivos além dos despropósitos ético e científico, o critério é humilhante
  e contrário aos interesses sociais, pois desagrega o indivíduo, empurrando-o para a
  marginalidade sem as possibilidades de trabalho, sem a assistência médica e sem as
  condições financeiras que favoreçam sua sobrevivência.
  
  No que se refere à posição
  dos médicos de empresas ou de juntas oficiais, todas as informações obtidas sobre esse
  assunto, devem ser transmitidas apenas ao paciente. Qualquer informação sobre o
  empregado ao empregador, limitar-se á à aptidão ou à não aptidão do trabalhador, e
  se temporária ou permanente para o desempenho de determinadas funções. A realização
  de testes sorológicos por imposição do empregador não encontra amparo técnico,
  científico ou moral, sendo esse assunto do interesse da autoridade sanitária. Até mesmo
  o poder público reconheceu seu equívoco, ao decidir, na Portaria Interministerial nº
  869, de 11 de agosto de 1992, dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da
  Administração, "proibir, no âmbito do serviço público, a exigência de testes de
  detecção de vírus da imunodeficiência adquirida, tanto nos testes pré-admissionais
  quanto nos exames periódicos de saúde", considerando que a sorologia positiva não
  acarreta prejuízo da capacidade laborativa do seu portador, que os convívios social e
  profissional com portadores do vírus não configuram situações de risco, que a
  solidariedade e o combate à discriminação são fórmulas que a sociedade dispõe para
  minorar o problema e que essas situações devem ser conduzidas segundo os preceitos da
  ética e do sigilo.
  
  O Conselho Federal de Medicina
  determinou, através da Resolução CFM nº 1.359/92, que é vedada a realização
  compulsória da sorologia para HIV, em especial como condição necessária à
  internação hospitalar, pré-operatório, ou exames pré-admissionais ou periódicos e,
  ainda, em estabelecimentos prisionais.
  
  Por fim, é bom que se enfatize
  ser a identificação de pacientes HIV-positivos em internamento hospitalar, uma
  estratégia sem muita sustentação moral e nenhuma argumentação técnica, pois, na
  urgência, onde os aludidos riscos seriam mais evidentes, não haveria tempo para esperar
  o resultado sorológico. Haveria ainda o risco dos pacientes com viremia e sorologicamente
  negativos, e os casos dos que se negassem a tais exames. Os pacientes, por sua vez,
  notadamente os submetidos a procedimentos invasivos, teriam também o direito de exigir,
  com muito mais razão, o teste dos médicos. O que se deve exigir urgentemente é um
  nível sério de cuidados, na proteção de todos os profissionais de saúde, com enfoque
  para aqueles casos onde a contaminação sangüínea seja possível. No entanto, se alguma
  instituição quiser exigir a triagem sorológica dos pacientes não emergências, para
  que esse modelo venha ser eticamente discutível, é necessário que o exame seja
  voluntário e informado, que o paciente ao não aceitar o teste possa ser tratado sem
  nenhuma restrição, e que o paciente positivo tenha garantia do sigilo em relação ao
  resultado do exame e não sofra qualquer prejuízo na qualidade da assistência requerida.
  
  
  
  O problema do menor
  infectado em estabelecimentos correcionais
  
  
  Das tantas complexidades do
  problema, certamente, a mais complexa é a do posicionamento a ser adotado pela equipe
  médica, em face da solicitação de autoridade judicial ou administrativa, sobre o
  fornecimento de dados relativos a menores infratores e detentos do sistema correcional,
  portadores de sorologia positiva para o HIV.
  
  Em primeiro lugar, o médico
  não deve revelar às autoridades administrativas dos sistemas correcionais a identidade
  dos menores infratores com sorologia positiva. Não estaria justificada a quebra do sigilo
  pela suposta necessidade de adoção de medidas profiláticas, pois de nada adiantaria tal
  identificação, quando se sabe não existir nenhum procedimento que possa trazer
  benefícios ou que respeite à dignidade do menor, aumentando, isso sim, os riscos de
  segregação e de hostilidade. O que se deve fazer urgentemente, é melhorar as
  condições do atendimento nessas instituições, hoje tão precárias e desumanas.
  Depois, acho conveniente revelar o fato aos pais ou aos seus responsáveis legais - no
  caso em tela, o juiz - por entender que aquele menor não tem a capacidade de avaliar seu
  problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, como recomenda o
  artigo 103 do Código de Ética Médica.
  
  E, por fim, acredito ser
  necessária a revelação do segredo à equipe multidisciplinar, que trata também do
  menor, por considerar que a solução do problema não é da exclusiva competência
  médica, mas de tantos outros profissionais, os quais, também, sujeitos à
  obrigatoriedade do sigilo.
  
  
  
  A postura do médico
  infectado
  
  
  O médico infectado, como todos
  os pacientes, tem o direito à privacidade, ao sigilo e ao respeito que toda pessoa
  merece, não se podendo privar dele suas atividades no convívio social e do trabalho,
  respeitadas, é claro, as condições que seu estado de saúde permite e o tipo de
  atividade exercida.
  
  Por outro lado, não se pode
  aceitar as recomendações do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a
  partir de possibilidades remotas de transmissão do HIV, quando trata dos profissionais de
  saúde infectados. Em primeiro lugar, não há razões de ordem técnica ou moral para a
  realização sistemática e compulsória de sorologia anti-HIV em profissionais mais
  expostos, pois o risco de contaminação em alguns casos é quase nulo. Discute-se se
  existe ou não a necessidade da comunicação aos pacientes sobre a condição sorológica
  dos médicos infectados, que possam se envolver nos chamados procedimentos invasivos (atos
  sujeitos a risco de contaminação por perfuração acidental percutânea do profissional,
  através de contato do seu sangue com tecidos do paciente). Pessoalmente, entendo que sim:
  o médico deve dizer ao paciente que é portador do HIV-positivo. 
  
  Também não se vê a
  necessidade do impedimento de profissionais infectados de trabalharem normalmente em
  tarefas compatíveis com as suas condições de saúde e em determinadas modalidades de
  trabalho sem risco de contaminação. No entanto, recomenda-se que o médico portador da
  sorologia positiva para HIV, sponte sua, evite ou tome determinados cuidados
  com certos atos, principalmente nos procedimentos invasivos ou na manipulação de
  instrumental cortante ou perfurante capaz de passar sangue acidentalmente para o paciente,
  mesmo tendo em conta a probabilidade mínima de contaminação nesses casos. Não se
  considera errado o fato da direção do corpo clínico discutir, caso a caso, a
  participação de cada profissional reconhecido como infectado, a partir do momento em que
  se evidencia atitudes mais imprudentes por parte do médico em questão, pois deixar o
  problema sem nenhum controle também seria uma conduta irresponsável.
  
  Em suma, o médico infectado
  pelo HIV, como qualquer outra pessoa, deverá ter sua privacidade respeitada, não
  existindo a necessidade dele informar sobre sua situação. Todavia, havendo acidentes em
  procedimentos invasivos, o médico que conhece seu estado sorológico está obrigado
  eticamente a levar o fato ao conhecimento das equipes de suporte e orientação, como,
  também, é dever moral dessas equipes ou do próprio médico, informarem o paciente sobre
  o possível risco e orientá-lo para os exames de praxe. Sendo o médico não-infectado e
  o paciente reconhecido como portador de sorologia positiva, havendo acidente em
  procedimento invasivo ou acidente com instrumental cortante ou pontiagudo, o médico tem
  de procurar aquelas equipes de orientação e submeter-se ao exame sorológico
  necessário.
  
  
  
  A postura do médico ante os
  doentes e infectados pelo HIV
  
  
  Nenhum médico pode recusar o
  atendimento profissional a pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana,
  pois essa assistência representa um imperativo moral da profissão médica. Assim se
  reporta em tom dogmático a Resolução CFM n° 1.359, de 11 de novembro de 1992.
  
  Levando em conta que a medicina
  é uma profissão voltada para a saúde do ser humano e da coletividade e deve ser
  exercida sem nenhuma forma de discriminação; que a AIDS continua avançando e mudando
  seu perfil epidemiológico quando agride os diferentes grupos populacionais; e que o
  impacto da doença é medonho e limita o paciente, vulnerando-o física, moral, social e
  psicologicamente, tem-se de admitir que a obrigatoriedade do atendimento há de ser
  extensiva a todas as instituições de saúde, sejam elas públicas, privadas ou ditas
  filantrópicas.
  
  É preciso também que esse
  atendimento seja integral e compatível com as normas de bio-segurança recomendadas pela
  Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde, e, por isso, não se pode
  aventar qualquer forma de desconhecimento ou falta de condições técnicas para recusar a
  assistência. Essas instituições devem também propiciar a todos os profissionais de
  saúde condições técnicas para recusar a assistência. Essas instituições devem
  também propiciar a todos os profissionais de saúde condições dignas para o exercício
  da profissão, inclusive os recursos para a proteção contra a infecção, com base nos
  conhecimentos científicos disponíveis. A garantia dessas condições de atendimento é
  de responsabilidade do Diretor Técnico de cada estabelecimento de saúde.
  
  
  
  A infecção pelo HIV e o
  paciente que vai morrer
  
  
  No que se refere ao
  paciente terminal, acometido de AIDS, a conduta médica deve ser a mesma que se recomenda
  para todos os pacientes nesta situação de insalvável, que não esteja nas condições
  dos doentes privados da vida de relação e do controle da vida vegetativa. Deste modo
  não há como se permitir qualquer postura que não seja a da obrigação do médico em
  cuidar do paciente, utilizando-se dos recursos de manutenção da vida na sua fase
  terminal, independente da vontade dos familiares e, até mesmo, do próprio paciente nos
  chamados "testamentos em vida", o qual não pode sujeitar o profissional a
  atitudes de confronto com sua consciência, com a norma e com seu Código de Ética.
  
  
  
  
  As deficiências da legislação
  brasileira
  
  
  Partindo do princípio de
  que as questões de saúde pública representam um direito inerente à cidadania e uma
  irrecusável e fundamental obrigação do Estado, cabe, através de uma estratégia bem
  articulada junto ao Sistema Único de Saúde, uma atenção desdobrada à prevenção, ao
  diagnóstico e ao tratamento da AIDS, assim como uma abordagem mais séria em favor dos
  infectados pelo HIV.
  
  Ninguém pode desconhecer que
  esta doença é uma entidade sorológica grave, de evolução rápida e caminhando quase
  sempre para a morte e que, devido a suas características epidemiológicas, tende a se
  transformar num sério problema de saúde pública, necessitando, também, de um
  encaminhamento que não deixe de contar com a participação de todos no seu controle e
  prevenção. Assim, é imperativo, antes de tudo, a participação democrática de todos
  os segmentos organizados e representativos da sociedade, a fim de pressionar o Estado a
  assumir, por decisão política, uma postura capaz de garantir a mais ampla cobertura
  sobre o problema.
  
  Atualmente, muitos são os
  países que contam com normas específicas que regulam os direitos dos pacientes
  aidéticos e dos infectados, desde a proibição da rejeição de crianças
  sorologicamente positivas em escolas e creches, até a censura aos pedidos de testes para
  o HIV de pacientes em internamentos hospitalares.
  
  Primeiro é necessário que se
  assegure a esses pacientes o acesso ao tratamento adequado, seja no ambulatório, no
  hospital ou no domicilio, incluindo nisso o fornecimento gratuito de medicamentos
  necessários e eficazes no tratamento da AIDS, aprovados pelo Ministério da Saúde, afim
  de que essas ocorrências não se transformem em "casos de polícia". Defendo
  também a idéia - embora criticada por alguns, que se estipule em cada hospital público
  ou privado, qualquer que seja sua especialidade, um número mínimo de leitos para
  tratamento desses pacientes, como forma de impedir que eles sejam rejeitados no
  internamento, por motivo de discriminação ou má vontade, mesmo sabendo da
  disponibilidade de leitos em nosso país.
  
  Advogo também a idéia de não
  se criar leitos destinados aos pacientes apenas infectados pelo HIV, que por ventura se
  internem nos hospitais para tratamento clínico ou cirúrgico, pois inevitavelmente seriam
  discriminados, dando-se, inclusive, oportunidade para a exigência dos testes
  pré-admissionais, convertendo-se em expediente vexatório, hostilizante e segregador.
  
  Nessa legislação deve ficar
  bem claro o direito que tem o paciente HIV-positivo da manutenção do sigilo médico, do
  respeito a sua privacidade, o impedimento de demissão sem justa causa do seu trabalho, a
  proibição da divulgação do seu nome ou de seus parentes em listas de resultados de
  exames e o direito de ter solicitados seus exames complementares quando pedidos pelos seus
  médicos assistentes.
  
  É necessário ainda que se
  estipule espaços gratuitos nos meios de comunicação para divulgação desses
  interesses, a garantia dos pacientes aidéticos a todos os direitos trabalhistas,
  previdenciários e administrativos, além de assistência jurídica gratuita, acesso
  fácil e sem ônus ao tratamento dos hemofílicos como forma de prevenção à AIDS,
  direito de receber visitas no hospital, de atendimento médico de urgência e de
  intercorrências clínicas e o de ter seu corpo velado em locais e condições
  respeitosas, de acordo com a reverência que se deve à dignidade humana. .
  
  Outro fato é o da criação de
  serviços de diagnóstico gratuitos, estimulando-se assim os indivíduos ao auto-exame,
  sem nenhum ônus e cujos resultados sejam dados através de meios que não identifiquem o
  paciente, mantendo-se o respeito a sua privacidade. Essa seria uma forma de fazer com que
  um maior número de pessoas procurem esses exames.
  
  Desestimar de uma vez por
  todas, não através de uma portaria, mas por meio de uma lei, a exigência de testes
  sorológicos para o HIV aos candidatos de concurso público ou ao acesso a empresas
  privadas, mesmo sabendo que um mandato de segurança, neste particular, seria um remédio
  tranqüilo e eficaz.
  
  Ficar evidente na Legislação
  a proibição da exigência de testes compulsórios de sorologia para o HIV, como
  condição obrigatória de internamento hospitalar, pré-operatório, assim como nos
  indivíduos recolhidos em estabelecimentos penitenciários, ou de internação, antes de
  serem recolhidos. Isso não tem nenhum subsídio técnico ou científico, nem ajudaria em
  nada esse problema, a não ser fomentar a discriminação e a intolerância.
  
  
  
  
  Conclusão
  
  
  Se quisermos efetivamente lutar
  e vencer esse mal, devemos em primeiro lugar, não procurarmos explicações absurdas para
  justificar nossa indiferença e as nossas limitações. Depois, ficar ao lado dos que
  estão sendo vitimados pelo flagelo da AIDS, neste instante tão amargo da história da
  humanidade.
  
  Mesmo admitindo-se que essa
  doença seja, em parte, uma invenção nossa, ninguém pode escamotear a sua gravidade
  como entidade epidêmica, que agride o sistema imunológico de forma complexa, de
  assustadora rapidez e, até agora, incurável.
  
  Urge, ainda - hoje, mais do que
  nunca - exigir do poder público as condições necessárias para tratar esses doentes com
  a dignidade que merece a condição humana, e fazer ver à própria sociedade que a única
  forma de vencer essa doença é protegendo e amparando os que estão sendo atingidos. E
  também denunciar todas as injustiças cometidas, mitigando as suas dores e compreendendo
  sua dolorosa solidão na hora do sofrimento e da morte.
  
  A cura virá, não igualmente
  para todos. É apenas uma questão de tempo.
  
  Essas e outras epidemias
  passarão. Assim está escrito. O que fica, infelizmente, é o perigo que o homem carrega
  consigo mesmo e a falta de convicção de que seu destino está inexoravelmente preso ao
  destino do outro. Se não, cabe uma mea culpa universal.
  
  
  
  Referências Bibliográficas
|  A perícia em casos de tortura |       AIDS - Um enfoque ético-político |  As razões do Código de Ética Médica de 1988 | 
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10775 dias on-line   | Idealização, Programação e Manutenção: Prof. Doutor Malthus Fonseca Galvão 
http://lattes.cnpq.br/3546952790908357  
 
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