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Procedimentos degradantes contra pacientes
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A permanência de pacientes apenados ou reclusos em unidades hospitalares ou ambulatoriais - qualquer que tenha sido sua infração ou qualquer que seja o tamanho da revolta de alguém - não autoriza quem quer que seja a usar de meios degradantes, desumanos ou cruéis, ou ser conivente com tais práticas - ou não as denunciar quando delas tiver conhecimento.
Esta é a dogmática recomendação contida nos diversos dispositivos do Código de Ética Médica aos que exercem a medicina. O fato de se aceitar um paciente-detento acorrentado ao leito, por expressa manifestação do aparelho policial ou de outro órgão ligado à Segurança Pública, como forma de evitar a evasão do detento, não só macula dispositivos da norma ética, como compromete os postulados enaltecidos pela luta em favor dos direitos humanos.
Qualquer que seja a intenção, qualquer que seja o direito protegido, trata-se de atentado à dignidade da pessoa e um desrespeito aos Direitos do Homem e do Cidadão. Não é consolo dizer que, de outras vezes, pacientes comatosos ou agitados foram amarrado às macas ou aos leitos por meio de ataduras de crepom ou gaze. Isto é outra coisa. Tem o sentido de protegê-lo. É feito em seu favor, sem nenhum resquício de humilhação. Feito para ele não cair no chão.
Posso até acreditar que tal processo não se constitua numa forma de tortura, no sentido de fazê-lo sofrer os padecimentos da dor. Mas é uma maneira indisfarçável de procedimento desumano e degradante. Leia-se a Declaração de Tóquio, adotando linhas mestras para os médicos, com relação ao tratamento degradante e desumano a detentos e prisioneiros (Anexo 2, artigo 1°):
Qualquer ato de tortura, ou outro tratamento, ou castigo cruel, desumano e degradante, é uma ofensa à dignidade humana e será considerado como uma negação aos propósitos do C entro das Nações Unidas e como violação dos direitos e liberdades fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Vale a pena reler a velha Declaração de Tóquio, pelo seu comovente humanitarismo e como documento de reconhecida e justa reverência.
Não se admite também a alegação de que o tratamento médico foi feito dentro dos padrões que a nova medicina permite. Isto é pouco. O remédio do corpo foi feito, ainda que de forma degradante, acredito eu. Mas a alma, mesmo a alma mais desgraçada de um homem não pode ser atormentada por quem exerce tão nobre mister e por quem tem uma história de compromisso com as liberdades fundamentais.
A consciência dos que sofreram e reagiram, e ainda hoje maldizem os tempos da ditadura - pois era assim que se tratavam homens, mulheres e jovens quase crianças-, não pode concordar com isto. Muitos foram tratados assim, acorrentados aos catres das masmorras, após as mais torpes e degradantes sessões de tortura que encheram de espanto os subterrâneos habitados pela desgraça e pelo terror.
É muito grave que o corpo clínico de uma unidade hospitalar, pelo seu diretor técnico ou pelo seu chefe de serviço, aceite candidamente as ordens do agente policial, quando lhe cabia exigir dos órgãos de segurança os meios adequados para que o detento venha a cumprir sua pena de forma justa e merecida. Ele, o apenado, além de estar sob a guarda e a proteção da Justiça, pode exigir o respeito à sua integridade física e moral. E a sociedade, por sua vez, tem o direito de vê-lo cumprir a justa medida punitiva.
Não me causa nenhuma estranheza essa deliberação do aparelho repressor do Estado. É lamentável dizer, mas é necessário, que uma certa fração da polícia tornou-se viciada no arbítrio e no exagero, imbuída de uma mentalidade repressiva, preconceituosa e reacionária. Suas vítimas, agora, são os pacientes apenados - os aidéticos e os tuberculosos detentos -, já marcados e feridos tantas vezes pelo infortúnio e deserdados da sorte. Mas isto é da natureza humana: mostrar sua força à custa dos mais fracos.
O diretor técnico ou o chefe de serviço conivente com tal estilo de tratamento não infringiu apenas o artigo 4° do Código de Ética Médica, mas também os artigos 8°, 47 e 49.
Senão, vejamos: Ao médico, cabe trabalhar também pelo prestígio e bom conceito da profissão, ainda que certas mentalidades frias e pragmáticas tentem deslocar o homem para um plano ético e político, na qualidade de simples objeto. A medicina deve constituir um projeto voltado para o bem do Homem e da Humanidade, sem discriminação ou preconceito de qualquer espécie (artigo 4°).
A prática da medicina deve ser consagrada pelo livre exercício, como garantia constitucional e corolário dos princípios liberais. Esta profissão não pode conviver com as restrições de suas práticas, nem com injunções que possam prejudicar a eficácia e a correção de seu trabalho, por inspiração de quem quer seja, autoridade ou não (artigo 8°).
Mesmo que uma ordem administrativa ou uma determinação da autoridade policial venha a violentar sua consciência, o médico não pode aquiescer, porque isso lhe assegura o Código de Ética. Se um ato médico estiver cercado de constrangimento e humilhações contra o ser humano, o profissional tem o direito de subverter essa ordem, de exercer a desobediência civil (artigo 47).
O médico não pode participar de qualquer forma de procedimentos desumanos ou cruéis, nem ser conveniente com tais práticas, ou não as denunciar, quando delas tiver conhecimento. Ele deve manter respeito incondicional pela pessoa humana.
Sua primeira obrigação é ajudar a quem se encontre sob seus cuidados, qualquer que seja o nível dessas pessoas, qualquer que seja o crime cometido por elas, quaisquer que sejam os credos e as razões de quem assim professa. E isto em todas as situações - inclusive nos conflitos armados ou nas comoções civis, quando tudo parece perdido, dadas as condições mais excepcionais e precárias.
Na hora mesma em que o direito da força se instala, negando o próprio Direito, e quando tudo é paradoxal e inconcebível - ainda assim o respeito pela dignidade humana é de tal magnitude que a intuição humana tenta protegê-la contra a insânia coletiva. criando regras que impeçam a prática de crueldades inúteis (artigo 49).
Pelo visto, a permanência indiscriminada de pacientes apenados ou reclusos em unidades hospitalares ou ambulatoriais - qualquer que tenha sido sua infração ou qualquer que seja o tamanho da revolta de alguém - não justifica ninguém usar de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, ou ser conivente com tais práticas - ou não as denunciar quando delas tiver conhecimento, entre estas a de prender pacientes às macas ou aos leitos por meio de algemas ou outros meios iguais. Isto não tem o sentido de protegê-lo nem efeito em seu favor, mas um resquício de humilhação.
Incluído em 10/11/2001 12:13:39 - Alterado em 20/06/2022 09:50:26
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